A Maratona Olímpica, apesar de estar no programa olímpico desde o início dos Jogos da era moderna, só foi disputada por homens até a edição de 1980. Ao longo dos anos 70, a pressão para que a maratona olímpica tivesse uma prova feminina aumentava. As maratonas de Boston e Nova Iorque já tinham provas femininas, e na Europa estas provas só cresciam.
Em 1981, o COI se rendeu aos apelos e incluiu a modalidade nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles. A prova seria às 8 da manhã, largando da pista de atletismo do Santa Monica City College, passando pela autoestrada de Los Angeles e terminando no Memorial Coliseum, o estádio olímpico. Cinquenta atletas de 38 países participaram.
A americana Joan Benoit disparou na frente e venceu com tranquilidade. Benoit teve um drama pessoal antes de conquistar ouro, tendo que operar o joelho dezessete dias antes da qualificatória norte-americana para a Olimpíada, mas voltou em tempo recorde após ficar dias fazendo deep running (corrida no fundo da piscina com flutuador sem impacto). Seu nome ficou na história olímpica como a primeira campeã da maratona feminina. No entanto, na memória de todas pessoas, fãs do esporte ou não, quem ficou marcada para sempre nessa edição foi Gabriela Andersen-Schiess
A Suíça radicada no Estados Unidos, que trabalhava como instrutora de esqui em Idaho, viu na prova inaugural da maratona uma oportunidade de realizar o seu sonho de disputar os Jogos Olímpicos. Ela conseguiu índice para a maratona, representando a Suíça nos jogos. Andersen seria apenas mais uma a completar a maratona, mas quando ela adentrou no estádio, vinte minutos após Benoit cruzar a linha de chegada, o público viu todo o esforço de Gabriela Andersen, que vinha com um braço pendurado e arrastando uma perna, para completar a prova.
Totalmente desorientada e cambaleante, Andersen continuava a caminhar com muita dificuldade até a linha de chegada. paramédicos ficavam por perto dela, esperando que ela solicitasse apoio. Mas Gabriela se recusou a fazer isso, pois ter ajuda externa em uma maratona a desqualificaria da prova. Andersen estava desidratada por causa do forte calor em los Angeles (32 graus) e com uma forte câimbra na perna esquerda. Apesar do efeitos causados pelo calor serem evidentes, os médicos viam que ela estava transpirando, e deixavam Gabriela continuar.
Sua situação comoveu todo os presentes que estavam no Memorial Coliseum, que apoiavam a maratonista para completar a prova, ao mesmo que tempo que imploravam para que ela parasse, com medo ela desmaiasse na pista. Gabriela, cambaleando e sem conseguir andar em linha reta, conseguiu completar a prova na trigésima sétima posição depois de levar dez minutos para fazer os 400 metros finais. Ela desabou e caiu desacordada logo após cruzar a linha de chegada, sendo amparada pelos médicos e pelo público, que aplaudiu de pé todo o esforço e determinação da maratonista suíça.
Gabriela teve um quadro grave de hiponatremia (queda brusca de sódio no sangue), por provável falta de reposição com isotônicos, aliada ao calor ambiente elevado. Isso lhe provocou fortes alterações cardiovasculares, metabólicas e cerebrais, sendo mostrada ao mundo cambaleante e totalmente desconexa, em franca confusão mental. Um quadro grave de hiponatremia pode causar sequelas para toda a vida. Mas duas horas depois, Andersen estava melhor e foi liberada para ir para a Vila Olímpica descansar.
Andersen, anos após o feito afirmou que "Seguia o ritmo planejado, se sentindo bem. Segundo meu marido, eu estava em décimo quinto quando passei vinte quatro quilômetros de prova, como havia imaginado. Esperava terminar entre as quinze primeiras , mas por volta de trinta e cinco quilômetros, comecei a sentir muito calor, o corpo muito quente, mas continuei a correr.Saindo do túnel e entrando no estádio, eu fiquei realmente chocada com o calor intenso e o brilho do sol.Tive que caminhar e isso tornou minha tarefa mais difícil, pois eu sentia muitas câimbras por causa da desidratação. Ouvi várias vezes pessoas dizendo se queria desistir, mas eu quis até o final, pois tinha 39 anos, eu não teria outra chance de ir a uma Olimpíada. Depois de tudo eu pensei em como eu fiquei desapontada em não ter feito o tempo que gostaria."
Joan Benoit fez história e virou lenda nos Estados Unidos. medalhista olímpica, recordista mundial e ainda por cima participou aos 50 anos, da seletiva americana para os jogos olímpicos de Pequim e conseguiu ficar na frente de 30 atletas que eram no mínimo. 20 anos mais novas do que ela. Já Gabriela Andersen-Schiess fez história à sua maneira. A IAAF fez a regra Schiess, que permite que atletas recebam atendimento médico sem ser desqualificado por isso, desde que ele não seja ajudado a se locomover. Sem medalha, Schiess fez história com esforço e determinação inabalável para completar a prova, inspirando milhares de pessoas ao redor do mundo com sua persistência. Para quem quiser ver, neste link abaixo há um depoimento de Gabriela ao canal do COI no youtube:
https://youtu.be/lBasZWjd92k
https://youtu.be/lBasZWjd92k
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