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O fascismo e as Copas de 1934 e 38

Por Rodrigo Huk (@rodrigo_huk)

A Copa do Mundo FIFA de futebol foi realizada pela primeira vez em 1930, no Uruguai, idealizada pelo francês Jules Rimet. Mesmo desfalcada de diversas seleções de expressão no cenário mundial, que não compareceram devido a longa viagem necessária para vir da Europa até a América do Sul ou mesmo questões políticas, a competição foi considerada um sucesso, dando a certeza de uma segunda edição do torneio. Com isso, era preciso escolher o local onde seria disputado o Mundial de 1934. 

Na época, a Itália vivia o regime do fascismo, liderada por Benito Mussolini, e, sendo o futebol uma modalidade que ganhava cada vez mais adeptos em solo italiano, inclusive ultrapassando o ciclismo como esporte número um do país, receber uma Copa do Mundo de futebol e ver sua seleção vencedora seria uma grande propaganda política fascista e elevaria o patriotismo. Para colocar isso em prática era preciso esperar até 1932, ano da decisão de quem sediaria a competição. A Suécia aparecia como única concorrente da Itália, mas os suecos desistiram pouco antes do anúncio oficial sobre a futura sede, alegando falta de condições financeiras. Os italianos oficialmente receberiam a Copa do Mundo FIFA de 1934.

Para a competição, foram construídos dois estádios novos, em Florença e Turim, além de seis outros que receberam reformas, e, claro, não deixaram de servir como alvos da propaganda fascista. O estádio de Turim recebeu o nome de Stadio Mussolini e o de Roma teve seu nome modificado para Nazionale PNF (sigla do Partido Nacional Fascista).

O próximo passo era blindar a seleção nacional. O Duce (como era chamado Mussolini) “recomendava” que a imprensa apenas publicasse notas positivas sobre a seleção italiana. Atos contrários resultaram em depredação de redações. Com a proteção do governo e imprensa, os jogadores e comissão técnica tinham “apenas” uma obrigação: ganhar a Copa.

A seleção da Itália era apontada como uma das melhores do mundo na época, somando 17 vitórias, seis empates e apenas três derrotas entre os anos de 1930 e 1933. Outra seleção com grande potencial era a austríaca, apelidada de Wunderteam (time-maravilha em Alemão), que possuía um retrospecto até melhor que o italiano, e que em um amistoso quatro meses antes da Copa do Mundo, os bateu por 4 a 2. Tal derrota, e a possibilidade de enfrentar a equipe da Áustria nas semifinais, após o sorteio dos confrontos, elevou a pressão sobre a seleção do técnico Vittorio Pozzo, que foi obrigado a levar sua equipe para um hotel na Toscana, lugar que traria maior tranquilidade para os treinamentos, e em que os jogadores viviam uma rotina praticamente militar.

A preocupação com o título mundial era grande por parte de Benito Mussolini. Em uma passagem, o ditador chamou em sua sala o presidente da Federação Italiana de Futebol, o general Giorgio Vaccaro para dizer-lhe apenas: “A Itália deve vencer a Copa do Mundo”. A ênfase no “deve” deixava clara a missão italiana, mesmo Vaccaro possuindo um grande poder político, inclusive realizando um grande discurso no jogo de abertura, que pregava a superioridade dos fascistas no esporte amparado em seus cidadãos.

Em maio de 1934, alguns dias antes do início da Copa, o Duce convocou toda a equipe da Itália para uma parada militar, entretanto, o técnico Vittorio Pozzo negou o pedido, alegando que seus jogadores precisavam poupar energia. Mussolini, mesmo contrariado, cedeu, já que o técnico poderia entregar o cargo e prejudicar as pretensões italianas de título, mandando um recado: “Que Deus o proteja se essa seleção fracassar”.


A Copa do Mundo de 1934 foi disputada por 16 equipes, que se enfrentavam em um regulamento de mata-mata simples, ou seja, quem perdesse estaria fora.

Na estréia da Squadra Azurra (como é conhecida a seleção da Itália), os jogadores entraram e campo e ao invés de serem aplaudidos, eles que aplaudiram Benito Mussolini, presente no Estádio Nacional PNF, em Roma. O jogo era contra os Estados Unidos, que terminaram a Copa de 1930 na terceira colocação, mas vinha com uma equipe bastante modificada. O resultado foi uma sonora goleada de 7x1 a favor da Itália.

O jogo seguinte seria bem mais difícil, contra a seleção espanhola, que possuía o melhor goleiro da época: Zamora. A Espanha marcou primeiro, com Regueiro, ainda no primeiro tempo. Pouco tempo depois, o atacante italiano Schiavio deu uma cotovelada no goleiro adversário, o deixando caído e abrindo caminho para Ferrari empatar a partida. O belga Louis Baert, que apitava a partida, fez “vista grossa”, validando o gol. O placar não foi modificado até o final do jogo, forçando uma partida de desempate no dia seguinte. Para essa partida, as equipes mudaram bastante os elencos iniciais, devido ao desgaste do dia anterior. Meazza abriu o placar aos 11 minutos para a Azurra, depois disso o que se viu foi mais uma arbitragem tendenciosa. O árbitro Rene Mercet, da Suíça, anulou dois gols legítimos da Espanha, alegando erroneamente impedimento no primeiro e voltou atrás em uma vantagem para o time espanhol depois que a bola já estava nas redes no segundo.

O adversário na semifinal era a temida Áustria, considerado o grande adversário da Itália no Mundial. Os italianos saíram na frente com um gol de Guaita aos 19 minutos do primeiro tempo. Chovia forte em Milão, local da partida, deixando o gramado em péssimas condições, impossibilitando o toque de bola característico austríaco. Com o clima e placar a seu favor, os italianos apenas davam chutavam a bola para o alto fazendo passar o tempo. A tática deu certo, e a Itália estava na final da Copa do Mundo de 1934.

No dia 10 de junho de 1934, Itália e Tchecoslováquia entraram no Estádio Nazionale PNF para a grande final. O juiz Ivan Eklind, de origem sueca, e seus dois assistentes chegaram até a fazer a saudação fascista a Benito Mussolini. Em campo, o primeiro tempo foi equilibrado, Puc abriu o placar para os tchecos, que ainda chutaram uma bola na trave antes do intervalo. O revés no placar preocupava os 50 mil espectadores, e o placar se manteve até dez minutos para o final do jogo, quando Orsi recebeu de costas para o gol e girou chutando, sem chances para o goleiro, para empatar o jogo e forçar uma prorrogação. A Itália, que jogou uma partida a mais do que a Tchecoslováquia, devido ao jogo extra contra os espanhóis, mostrou que as semanas de treinamento pré-Copa foram fundamentais para prevalecer em campo. Logo aos cinco minutos Giuzeppe Meazza (que hoje dá nome ao estádio em que foi disputada a final) cruzou a bola para a área, Guaita dividiu com o zagueiro e a bola sobrou para Schiavio chutar, a pelota ainda tocou no zagueiro e encobriu o goleiro Planicka, anotando o segundo tento italiano, o gol do título Mundial.

Mais do que o título, o gol também salvou a vida dos jogadores e comissão técnica de um provável acesso de raiva do Duce. Um fato interessante é que comentavam que o ditador comparecia em mais de um jogo simultaneamente, o que fez surgir uma lenda da possível existência de um esquema para a utilização de sósias de Mussolini. 


Passada a Copa de 1934, a próxima edição seria realizada em 1938. Adolf Hitler, vendo o sucesso italiano anos antes, pretendia fazer dessa edição uma propaganda política para o Nazismo, e exemplo das olimpíadas de Berlim em 1936. Mas a concorrência era maior dessa vez, a Argentina, e posteriormente a França, entraram na disputa pelo direito de sediar a competição. Os franceses tinham apoio do presidente da FIFA e idealizador da Copa do Mundo, e sua presença em Berlim no dia da votação, fez com que a pressão por votos na França aumentasse e o país saísse vencedor.

A intenção de Jules Rimet, presidente da FIFA, era, ingenuamente, fazer o esporte prevalecer sobre os interesses políticos da época. Mas a ideia de uma Segunda Guerra Mundial crescia na Europa. Pouco tempo antes da competição, a Áustria foi anexada pela Alemanha e deixou de existir como nação independente, fazendo com que os dois times se juntassem, tornando a equipe alemã a grande adversária da Azurra, que sagrou-se campeã olímpica dois anos antes. O grande craque da seleção austríaca e melhor atacante do mundo na época, Mathias Sindelar, se recusou a jogar pela Alemanha. O jogador foi morto um ano depois, sob dúvida entre suicídio ou assassinato por parte dos nazistas, já que ele era judeu. A FIFA tentou ignorar o caso ao máximo, mas o caso entre Áustria/Alemanha foi confirmado, fazendo com que o Mundial contasse com apenas 15 equipes, e não 16, como era planejado.

A Itália, atual campeã, vinha com um time ainda mais forte e ainda sob o comando de Vittorio Pozzo, mas isso não a fez imune às ameaças e cobranças de Mussolini pelo bi-campeonato, o ditador enviou uma mensagem a delegação: “Vencer ou morrer”.

Nos jogos em si, a Alemanha decepcionou. Após empatar contra a Suíça na estréia, no jogo desempate a equipe alemã abriu 2x0 e viu o atacante suíço Aeby abandonar o jogo por lesão, e mesmo um gol de Wallaschek para a Suíça no fim do primeiro tempo, não prejudicou o otimismo, que era tanto que a comissão técnica enviou um telegrama para Hitler anunciando a vitória parcial. Mas no segundo tempo o panorama mudou. Com três gols em um intervalo de 15 minutos, os suíços viraram o placar e eliminaram os alemães. 

A seleção italiana, mesmo hostilizada devido às saudações fascistas que realizava antes dos jogos e o uniforme preto no segundo jogo para agradar Mussolini, venceu Noruega e França com placares apertados: 2x1 e 3x1 respectivamente. A semifinal foi disputada contra o Brasil, em um jogo com algumas controvérsias. Leônidas da Silva, considerado um dos melhores jogadores do Mundial e que mais colocava medo nos italianos não entrou em campo por problemas físicos (tempos depois seu companheiro Niginho alegou que o atacante havia recebido suborno fascista para na jogar, o que foi negado por Leônidas). Com a bola rolando, a Itália venceu por 2 a 1, com um pênalti que gerou uma grande reclamação dos brasileiros, em que Domingos da Guia deu um pontapé no atacante adversário com a certeza que o jogo estava parado, o árbitro o ignorou e assinalou a penalidade, convertida por Meazza.

Na final da Copa de Mundo de 1938, disputada em Paris, a Itália enfrentaria a Hungria e a torcida francesa. O que não deu muito trabalho. Com dois gols de Colaussi e dois de Piola (que serviu o exército de seu país na Segunda Guerra Mundial), os italianos fizeram 4 a 2 e sagraram-se os primeiros bi-campeões Mundiais de futebol, e mais do que isso, salvaram suas vidas.

Tudo isso mostra o quanto o futebol, que ainda estava em fase de ganhar projeção dentro de cada país em relação a outros esportes, mudou completamente no decorrer dos anos. Mais do que isso, evidencia a força do futebol, que em determinados momentos traz benefícios e em outros nem tanto, para o cenário político mundial já durante o período pré-Segunda Guerra Mundial.

Que hoje o esporte ainda serve como arma política, não há dúvidas (dica de leitura: "Como o futebol explica o mundo", de Franklin Foer), mas virou algo muito mais velado e escondido num subconsciente dos envolvidos. Na década de 30, o que se viu foi a utilização escancarada da Copa do Mundo como uma forma de elevar o patriotismo e fortalecer o Estado

O Brasil vive uma situação peculiar, afinal as eleições ocorrem pouco depois da Copa do Mundo. Mas isto é tema para um próximo capítulo.

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