Romário, Bebeto, Taffarel, Roberto Carlos, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno. Todos, sem sombras de dúvidas, grandes ícones do futebol brasileiro e o que provavelmente poucos sabem, também medalhistas olímpicos. Entre medalhas de prata e bronze, o esporte mais popular do país perseguia o único título que faltava no seu hall vitorioso. O penúltimo dia olímpico seria histórico para o Brasil. Além do futebol, um jovem baiano entraria para a história e uma medalha "surpresa" do taekwondo coroou um grande dia do país sede.
20 de Agosto de 2016.
Muitos podem até não dar bola para o futebol masculino olímpico. Ao contrário de todas as outras modalidades, incluindo a chave feminina, o esporte mais popular do mundo não recebe seus principais atletas. Com um time formado por jogadores de até 23 anos, somados a três que não possuem limites de idade, não é bom afirmar que todos ali não estejam brigando de corpo e alma por seus países para trazerem o ouro olímpico. E esse era o espírito do Brasil.
Ao contrário de outras nações tradicionais como Argentina, Uruguai, Espanha e Itália, a seleção canarinho havia batido na trave inúmeras vezes brigando pela medalha dourada. Naquela final disputada no Maracanã,a equipe liderada por Neymar, um dos maiores futebolistas do mundo, o goleiro Weverton, o meio de campo Renato Augusto e jovens talentosos como Gabriel Jesus e Luan, carregava sobre o ombro o peso de um título importante para o país pentacampeão do mundo que havia passado recentemente pelo maior vexame de sua história, o fatídico 7 x 1 para a Alemanha. O país europeu, inclusive, era o adversário do país naquela final e também buscava o primeiro titulo entre os homens.
Em um estádio apoteótico e lotado de brasileiros de todas as idades o país vibrou com um gol de Neymar aos 27 minutos, um passo pequeno para a inédita medalha, que não durou muito até o empate no início do segundo tempo feito por Max Meyer, atacante do Schalk 04. Um jogo muito nervoso, com bolas na trave em meio as poucas finalizações e com um roteiro beirando a crueldade com os milhares de brasileiros com o coração na mão,a decisão iria para os penaltis. Em uma fase do futebol que se cria heróis e vilões, cairia sobre o goleiro acreano Weverton, do Atlético Paranaense, o papel de protagonista naquele momento.
Um a um, brasileiros e alemães foram confirmando seus gols. Renato Augusto, Marquinhos, Rafinha e Luan para o time da casa, Ginter, Gnabry, Brandt e Süle para os europeus. Até que chegou o quinto e decisivo batedor. Nils Petersen, um dos mais velhos do time alemão, se aproximou do marcador do penalti que poderia definir o destino de ambas as seleções. Todo brasileiro pulou com Weverton naquela hora. Em uma bola defendia e um Maracanã explodindo quis o destino que caísse sob os pés de Neymar, jogador símbolo da atual geração da seleção, a missão de marcar e enfim, quebrar o jejum da tão sonhada medalha de ouro olímpica.
Vindo com um choro de todos os jogadores correndo do meio de campo ao encontro de Neymar somado à um Maracanã que comemorava como nos velhos tempos do time campeão,o Brasil conquistava ali, sob o comando do técnico Micale, o único título que faltava para a modalidade no país. O pódio, que contou com um coro gigantesco do hino nacional, ainda teve homenagens para Fernando Prass, goleiro do Palmeiras que foi cortado da seleção por lesão, dando lugar inclusive a Weverton, o herói do dia. Três fatos legais ainda marcaram esse título. Neymar se igualava a Lionel Messi, também campeão olímpico em Pequim-08, dando mais um passo para o objetivo de um dia ser eleito o melhor jogador do mundo.
Além disso, o meio de campo Thiago Maia, atualmente no Lille, se tornava o primeiro atleta de Roraima a conquitar uma medalha olímpica em todos os tempos e o atacante Gabriel Jesus, dono de três gols no torneio, se tornava aos 19 anos e quatro meses a pessoa mais jovem a se tornar campeão olímpico pelo Brasil, superando Marcos Soares, que aos 19 anos e cinco meses na ocasião, venceu ao lado de Eduardo Penido a classe 470 da vela em Moscou-80. O bronze no futebol foi para a Nigéria, campeã em 96 e prata em 2008, em vitória sobre Honduras por 2 x 1.
Da Bahia para a Lagoa Rodrigo de Freitas, Isaquias Queiroz entrava definitivamente para a história do esporte brasileiro e desta vez com um feito que nunca ninguém tinha realizado antes. A prata conquistada na C2 1000 metros era a terceira medalha do atleta, que se tornava o mais condecorado esportista brasileiro em uma mesma edição olímpica. Havia sido dias antes bronze na C1200 e prata na C1100.
A medalha desta vez foi ainda mais especial, pois, veio em dupla com seu amigo de infância Erlon Silva.Também baiano, nascido em Ubatã e iniciado no mesmo projeto social que Isaquias, o atleta de 25 anos se tornava o segundo canoista medalhista olímpico pelo Brasil. Os resultados excelentes da equipe de canoa do Brasil nos Jogos do Rio deviam muito ao técnico espanhol Jesus Morlán, responsável por grandes atletas no passado, como o espanhol multi-medalhista olímpico David Cal.
Jesus garantiu seguirá no comando da equipe brasileira e espera fazer mais história ainda em Tóquio 2020, com Isaquias, Erlon e também a equipe feminina que estreará nos Jogos da capital japonesa. A Alemanha, com quatro ouros, duas pratas e um bronze, era a nação com mais medalhas na canoagem. Um dos ouros veio justamente da dupla Sebastian Brendel / Jan Vandrey, que venceu Isaquias / Erlon na final da C2.
O taekwondo vinha, como tradição, premiando atletas de diversos países ao longo dos dias de competição. Em seu último dia de disputas, um brasileiro foi um deles. O mineiro Maicon Siqueira, 23 anos, venceu uma primeira luta disputadíssima na categoria +80kg por 9 x 7 contra o americano Stephen Lambdin. Na segunda luta,no entanto,Maicon perdeu para o até então desconhecido Abdoul Issoufou, do Niger, por 6 x 1. No taekwondo olímpico, os atletas que chegam na final da categoria, trazem de volta os adversários derrotados por ele no torneio para uma repescagem para brigarem pela medalha de bronze.
O nigerino, que fez um torneio incrível, chegou a final e deu a Maicon a oportunidade de seguir vivo em busca de uma medalha. O brasileiro não era favorito ao pódio, mas com o apoio da torcida, venceu a repescagem contra o francês M'bar N'dyane por 5 x 2 e avançou a disputa do bronze contra o britânico Mahama Cho. Em uma luta muito disputada e com uma virada nos últimos segundos, Maicon conquistou um inesperado bronze que deixou a torcida na Arena Carioca 3 enlouquecida. A medalha de Maicon emocionou a todos, pois antes dos Jogos o atleta tinha pouca estrutura de treino vinda de uma confederação mergulhada em escândalos de corrupção.
Na final, Issoufou acabou ficando com a prata em derrota para Radik Isaiev do Azerbaijão, mas se tornou o segundo medalhista olímpico da história do Niger, quarenta e quatro anos depois do bronze de Isaaka Daborg no boxe. Na final feminina do dia, a +67kg, o ouro foi para a chinesa Zheng Chuin. O taekwondo terminava premiando vinte países diferentes,sendo a Coréia do Sul campeã com dois ouros e três bronzes.
O dia foi lotado de finais e entregas de medalha. No Badminton, final do simples masculino com o chinês Chen Long vencendo o malaio Lee Chong Wei por 2 x 1. A prata de Wei era seu terceiro vice campeaonato seguido em Jogos Olímpicos. O bronze foi para Viktor Axelsen da Dinamarca.
No triatlo, Gwen Jorgensen dos Estados Unidos confirmou um dos maiores favoritismos dos Jogos do Rio. A bicampeã mundial venceu a prova disputada em Copacabana com boa vantagem, deixando a então campeã olímpica Nicola Hug da Suíça com a prata e o bronze para a britânica Vicky Hollanda.
No ciclismo mountain bike, disputado em Deodoro, ouro para a jovem sueca Jenny Rissveds. Prata para a polonesa Maia Wloszczwoska e bronze para a canadente Catherine Prendel.
Também em Deodoro, final do pentatlo moderno masculino. Ao contrário do feminino em que a zebra passeou pelas arenas de competição, o russo Aleksander Lesum, um dos favoritos, foi ouro. Prata para o ucraniano Pavlo Timochenko e bronze para o mexicano Ismael Hernandez.
Duas das modalidades individuais com mais dias de disputas dos Jogos Olímpicos, o boxe e os saltos ornamentais terminaram neste dia.
No boxe, que teve o ouro do brasileiro Robson Conceição na categoria -60kg, dezessete países subiram ao pódio, com destaque para o ouro do cubano Julio De La Cruz, tricampeão mundial da categoria -81kg, e para os bicampeonatos de Nicola Adams (Grã Bretanha/ -51kg) e Clareessa Shilds (Estados Unidos/ +75kg). A nação vencedora da modalidade foi o Uzbequistão com 3 ouros, 2 pratas e 2 bronzes.
Nos Saltos Ornamentais a China manteve seu domínio e conquistou sete dos oito ouros em disputa. Um dos destaques foi Ren Qian, vencedora da plataforma de 10 metros, que se tornou a primeira atleta nascida no século XXI a ganhar uma medalha olímpica. Os britânicos Chris Mears e Jack Laugher, vencedores do trampolim de três metros sincronizado, foram os responsáveis por colocar água no chopp da festa chinesa, adiando o projeto do país asiático de vencer todas as provas em uma mesma edição de Jogos Olímpicos.
Por falar em domínio, a Rússia levou mais uma vez a final do individual geral da ginástica rítmica. Margarita Mamum, jovem de descendência bengali, foi a grande campeã. A prata ficou com a compatriota Yana Kudryatseva e o bronze com a ucraniana Ganna Rizatdnova.
Além do futebo masculino, outras finais de esportes coletivos ocorreram no último sábado olímpico. O pólo aquático está para a Sérvia assim como futebol está para o Brasil. E assim como para nós, o tabu dos atletas dos Balcãs também acabou neste dia 20 com o inédito ouro para os tricampeoes mundias com vitória sobre a Croácia por 11 x 7. Se a Sérvia quebrava um tabu enorme, os montenegrinos amargavam o terceiro quarto lugar seguido em Jogos Olímpicos com a derrota para a Itália por 12 x 10. Assim como em Pequim 2008 e Londres 2012, os atletas saíam do Rio muito perto da inédita medalha.
O sábado foi mesmo de muitos títulos inéditos e quebras de tabus. A tetracampeã mundial de handebol feminino, Rússia, conquistava o ouro olímpico com uma vitória de 22 a 19 sobre a França. Desde a dissolução da União Soviética, as russas só possuiam uma medalha de prata em Pequim 2008. O bronze ficou com a campeonissíma Noruega, então bicampeã olímpica, com 36 x 26 sobre a Holanda.
Bom, chega de ineditismo por hoje, ainda mais quando falamos do basquete americano. A equipe feminina dos Estados Unidos conquistou o hexacampeonato consecutivo com tranquilos 101 x 72 sobre excelente seleção espanhola. A última derrota americana em Jogos Olímpicos foi na semifinal do torneio de Barcelona 92 contra a Comunidade dos Estados Independentes, formada por países que estavam em meio a dissolução soviética. Destaques para Sue Bird e Tamika Catchings que estavam em todos os títulos desde Atenas-04. O bronze foi pras sérvias com triunfo sobre a França por 70 x 63.
No vôlei feminino, onde dolorosamente a seleção brasileira não estava disputando as finais, um mar vermelho viu as nossas algozes chinesas conquistarem o ouro sobre a Sérvia - O pequeno país europeu que mostrava excelência em esportes coletivos com três medalhas em um único dia - com vitória de 3 x 1 e conquistando um tricampeonato para o país, com destaque para Zhu Ting, nossa carrasca e eleita MVP do torneio. Pelo mesmo placar, os Estados Unidos conquistavam o bronze sobre a Holanda.
Sete finais encerraram o atletismo no Estádio Olímpico (ainda aconteceria a maratona masculina no dia seguinte). Uma das vitórias mais legais veio com a espanhola Ruth Beitia no salto em altura. Aos 38 anos e muito admirada por ser considerada uma das atletas mais amáveis e gentis do esporte, conquistou ali sua primeira - e última, pois a mesma declarou que não irá a Tóquio - medalha olímpica. A conquista de Ruth foi celebrada por todas as suas adversárias, incluindo Mirela Demetieva (Bulgária / prata) e Blanka Vlasic ( Croácia / bronze).
No lançamento de dardo ouro para o alemão Thomaz Rholer seguido direto pelo queniano Julius Yego, que começou no esporte seguindo tutoriais no YouTube e conquistou o campeaonato mundial de 2015. O trinito e então campeão olímpico Kellshorn Wellcot completou o pódio.
Algumas provas de pista no atletismo são vencidas mais pela estratégia que pelo tempo e foi o que ocorreu com Matthew Centrowitts Jr dos Estados Unidos que com o tempo de 3m50s00 conquistou o ouro nos 1.500 rasos em uma das provas mais lentas da história, usando puramente estratégia. Pra se ter uma idéia, o recorde mundial pertence ao marroquino Hichamm El Gerrouj com 3m26s00 e o vencedor de Londres foi o argelino Taoufik Makhloufi (prata no Rio) com 3m34s08.
Se os 1500 masculinos foram fracos, os 800 femininos não foram. Ouro para a sul-africana Caster Semenya, favorita ao título, com fortes 1m55s28. A prata foi para Francine Niyonsaba do Burundi, conquistando a segunda medalha olímpica de seus país desde Venuste Niyongabo (Ouro nos 5000 metros masculino em Atlanta- 1996). Margareth Wambuii do Quênia completou o pódio. Os 5.000 metros masculino, que no passado deram ao Burundi de Niyonsaba um ouro olímpico, naquele dia premiaram o britânico Mo Farah, um dos maiores astros do atletismo mundial.
Também vencedor dos 10.000 metros no Rio, o atleta de 33 anos conquistava o bicampeonato em ambas as provas naquela que, assim como Bolt e Ruth Beitia, seria sua última edição de Jogos Olímpicos.
Nas últimas finais da modalidade no Estádio, vitória americana no 4x400 masculino e feminino. Jamaica e Grã Bretanha completaram o pódio entre as mulheres. No masculino, Jamaica também foi prata, seguida de Bahamas. Os americanos, com 13 ouros, 9 pratas e 10 bronzes, eram os vencedores no quadro de medalhas da modalidade mais tradicional do programa olímpico.
O depoimento de hoje é do voluntário e leitor do Surto Olímpico Jadson Barbosa. Em homenagem a essas pessoas que são essenciais para uma edição de Jogos Olímpicos, ele conta como foi seu último dia a serviço desta grande festa que foi o Rio-2016.
Por Jadson Barbosa
Lembro-me do dia em que assisti o Vanderlei sendo puxado e derrubado e depois ganhando o bronze nas Olimpíadas de 2004, quando eu tinha 11 anos. Desde a infância eu fui me apaixonando por esportes, possivelmente pelas fortes emoções que eles nos trazem. Eu acordava cedo ou de madrugada para assistir voleibol, futebol, futsal, fórmula 1 e todos os demais que a TV aberta transmitia. Quando comprei o meu primeiro computador, passava horas conferindo o quadro de medalhas das últimas olimpíadas, fazendo projeções para as próximas e lendo sobre o que os atletas brasileiros vinham fazendo no ciclo até Pequim 2008.
Quando recebemos o resultado de que sediaríamos uma Olimpíada, só me veio uma coisa à cabeça: eu preciso ir. Em 2014 começou o processo de seleção para ser voluntário na Rio 2016 e eu resolvi me inscrever, pois seria um atrativo a mais para eu ir ao Rio, bem como justificar aos professores a minha ausência nas aulas por 20 dias durante as semanas de provas em minha universidade. A carta convite com a minha função como voluntário eu recebi apenas dois meses antes dos jogos, época em que eu já havia comprado muitos ingressos para assistir esportes que eu gosto e/ou que o Brasil possuía chance de medalhar.
Chegando aquele agosto de 2016, comecei a viver um sonho. No meu primeiro dia de trabalho como voluntário (trabalhei no Rio Centro), visitamos todos os pavilhões, e aquele clima olímpico, com decorações, bandeiras e músicas, me encantou muito. Eu fui voluntário no Centro de Comunicações e a minha credencial dava acesso a praticamente todas as áreas do Rio Centro.
No meu penúltimo dia de trabalho e de olímpiada, 20 de agosto de 2016, quando já havia terminado a maioria dos eventos do Rio Centro, conseguimos sair mais da área de trabalho para ir visitar os pavilhões. Fomos assistir a uma premiação do boxe, conseguimos ver tudo por trás dos panos. O pessoal de cerimônia passou do nosso lado com as medalhas, deu um baita estalo no coração. Ficamos esperando pela saída das atletas e veio a Sarah Ourahmoune, francesa que acabara de ser prata. Tiramos algumas fotos com ela e até pudemos tocar na medalha – o que foi fantástico. Pouco tempo depois veio a medalhista de bronze, a colombiana Ingrit Valencia.
Simpaticíssima que era, conversamos um bom tempo e ela deixou a gente colocar a medalha para tirar uma foto. SIM, A MEDALHA. Foi o momento mais marcante para mim de todo o trabalho durante as olímpiadas. Segurar e colocar no pescoço uma medalha olímpica foi indescritível, começou a fechar com chave de ouro uma das épocas mais felizes e emocionantes da minha vida. 20 de agosto de 2016 ficará para sempre nas minhas recordações.
Fotos: Seleção de Futebol (Alaor Filho - COB) / Isaquias e Erlon (Instagram - Reprodução), Maicon Siqueira (Ed Jones - AFP) e Neymar (Getty Images).
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