O ano era 2004. Um garoto, nascido em Campinas (SP) com má
formação dos membros superiores e da perna direita, acompanhava pela
televisão os Jogos Paralímpicos de Atenas. Lá estava Clodoaldo Silva,
nadador brasileiro que, na ocasião, conquistou nada menos que seis
medalhas de ouro e uma de prata. Quatro anos depois, inspirado pelo
exemplo, Daniel Dias já mergulhava na piscina de Pequim para faturar as
nove primeiras das suas 24 medalhas em edições paralímpicas. Hoje, um
ano após viver a grande expectativa pela disputa do Rio 2016 e tendo se
tornado o maior medalhista masculino da história da natação paralímpica,
Daniel alimenta sonhos para além das braçadas competitivas.
“Desde que fiquei sabendo que os Jogos seriam no Brasil,
tornei aquilo como o grande sonho”, relembra. Sonho concretizado com
louvor. No Estádio Olímpico de Esportes Aquáticos, no Parque Olímpico da
Barra, o brasileiro subiu nove vezes ao pódio, para receber quatro
ouros, três pratas e dois bronzes. Depois de tantos títulos, a motivação
para um novo e completo ciclo, até a próxima edição do megaevento,
ganhou novo contorno. “Hoje o que me motiva a continuar é, claro, ser um
atleta melhor, mas também continuar difundindo o esporte paralímpico e
ajudando a descobrir novos talentos. Eu acredito que ainda há muitos
trancados em casa”, explica.
Com esse intuito de se tornar uma espécie de embaixador do
movimento paralímpico, Daniel Dias fundou um instituto que leva o seu
nome em Bragança (SP). “A cada dia surge um deficiente novo lá, então o
meu papel agora mudou. Eu tinha aquele sonho do Rio, mas agora tenho o
sonho de difundir ainda mais o esporte paralímpico e dar oportunidade a
essas pessoas”, comenta.
E o posto de inspiração não para por aí. Em maio deste ano,
o multimedalhista foi homenageado pela Federação Aquática Paulista com a
realização de um campeonato estadual de natação adaptada, batizado como
Troféu Daniel Dias. “Fico extremamente feliz com isso. Eu sempre falei
que, quando comecei, tive uma grande inspiração que foi o Clodoaldo.
Pude nadar ao lado dele, ganhar medalha com ele nos Jogos em casa (prata
no revezamento 4x50m livre 20 pontos), e isso foi importante para a
minha carreira”, relata.
“Hoje fico feliz de dar continuidade a essa história do
esporte paralímpico, de ser exemplo para muitos que talvez estejam
começando agora. Quem sabe em Tóquio estejamos juntos, nadando em um
revezamento e até mesmo ganhando uma medalha juntos”, projeta, pensando
também em um benefício maior. “Acredito muito na ferramenta esporte.
Quando digo que, com o instituto, quero dar oportunidade, é para que o
deficiente entenda que ele pode ser um campeão na vida. Vai além do
esporte”, pondera Daniel.
Mudanças
Além da maior quantidade de atletas interessados no esporte
paralímpico, Daniel Dias constatou outra mudança motivada pela
realização dos Jogos Rio 2016. “A gente pensa muito no legado de
estruturas, mas o legado também é o respeito que passei a adquirir após
as minhas conquistas. As pessoas passam a respeitar mais o esporte
paralímpico após o que foi feito no Rio, a ver com bons olhos e, dessa
maneira, a gente consegue descobrir novos talentos”, analisa.
Segundo ele, hoje há até mesmo mais profissionais
interessados em trabalhar com atletas com deficiência. “A gente percebe
muitos educadores que tinham receio de trabalhar com o esporte
paralímpico e que hoje estão nos procurando, procurando o CT Paralímpico
e querendo conhecer a estrutura, saber como funciona o esporte,
querendo fazer o curso na Academia Paralímpica. Isso é muito legal”.
A construção do Centro Paralímpico, em São Paulo, mais um
legado dos Jogos por meio da Rede Nacional do Esporte, também facilitou
em muito a vida dos atletas. “Alguns não tinham onde treinar, ou tinham
só uma piscina de 12,5m ou de 15m. Hoje treinam em uma piscina de 50m,
uma das melhores do mundo. Isso é algo incrível. Você poder pegar um
jovem, tirar de um lugar onde não teria essa oportunidade e dar a ele as
melhores estruturas para que ele possa chegar a Tóquio muito bem”,
elogia o nadador, que hoje divide os treinos entre Bragança e o novo CT.
“Eu tive que viajar muito para fora do país para fazer uma
boa preparação para os Jogos do Rio. Hoje, não. Este ano, só viajei para
competir, mas para treinamento e estrutura tenho tudo ali no Centro
Paralímpico. Sempre que preciso fazer um teste, uma avaliação, consigo
ter ali”, conta, já imaginando a repercussão do investimento em 2020.
“Não tenho dúvidas de que em Tóquio a gente vai chegar muito bem porque
ter a preparação em casa é muito mais confortável”, acredita.
Próximos passos
Aliado ao interesse em ser exemplo para novos atletas,
Daniel Dias também não esconde o objetivo de estar presente em mais
edições dos Jogos e aumentar a lista de conquistas. “Eu confesso que
hoje não me vejo sem o esporte, não imagino o que fazer. Tóquio é
certeza, e também quero estar em 2024. Aí vai depender se vão me deixar
ir, né?”, diverte-se. “Quero batalhar para que isso aconteça, sem
dúvida. É um grande sonho e não tenho dúvidas de que, se eu tiver mais
conquistas, o esporte paralímpico vai ser mais divulgado e o Brasil vai
crescer com isso”, considera.
Hoje mais dedicado aos estilos livre e costas, o nadador,
contudo, não imagina que nadará poucas provas no Japão. “A princípio
reduzimos para dois estilos, para focar bem, mas não necessariamente
será só isso em Tóquio. Quem sabe no próximo ano a gente mantenha o
crawl e coloque outro estilo, para que, aos poucos, a gente consiga
fazer uma excelente preparação e, quem sabe, nadar tudo novamente em
Tóquio”, afirma o atleta, que neste ano já disputou o Open de Natação, o
Circuito Caixa e etapas da World Series, sempre acumulando mais
medalhas douradas.
“O início de ciclo está sendo muito bom. Já pude nadar
muito próximo das minhas melhores marcas, e vejo que o descanso após os
Jogos foi bom para mim. Pude aproveitar a família, descansar a mente,
voltar com força e foco totais para mais um ciclo. São quatro anos para
que a gente possa chegar muito forte em Tóquio e ir atrás de recorde
mundial”, avisa.
Entre 30 de setembro e 6 de outubro, Daniel e outros 17
brasileiros disputam a competição mais importante do ano, o Mundial de
Natação Paralímpica, no México. Daniel nadará quatro provas individuais
(50m, 100m e 200m livre e 50m costas), além de integrar revezamentos com
a equipe brasileira.
Fotos: MPIX/CPB e Gabriel Heusi
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