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Após denúncias, governo francês exige saída do Presidente da Federação Nacional de Esportes no Gelo



Após as denúncias de abusos sexuais de menores envolvendo o patinador de duplas Morgan Ciprés e as revelações feitas pelas ex-patinadoras Sarah Abitbol, Heléne Godard, Beatrice Durmur e Anne Bruneteaux contra os técnicos Gilles Beyer, Michel Lotz e Jean-Roland Racle, também sobre abusos sexuais, agressões, intimidações e estupros dentro do ambiente de treinos, a Ministra dos Esportes da França, Roxana Maracineanu (na foto à esquerda) veio a público exigindo a demissão do presidente da Federação Francesa de Esportes no Gelo (FFSG), Didier Gailhaguet (na foto, à direita) acusado de acobertar e incentivar as práticas de abusos.

"O presidente Didier Gailhaguet, não pode se eximir de suas responsabilidades morais e pessoais. Por isso, pedi a ele que assumisse todas as suas responsabilidades e que se demitisse do seu cargo de presidente da FFSG". Maracineanu deu um prazo de duas semanas para que Gailhaguet deixe o cargo. Caso contrário, a Ministra dos Esportes declarou que bloqueará as verbas estatais e retirará equipes e atletas do país de todas as modalidades representadas pela entidade em todas as competições internacionais até que os casos sejam investigados.

É a crise mais grave vivida pelos Esportes de Inverno da França desde o escândalo das Olimpíadas de Salt Lake City em 2002, onde a juíza de Patinação Artística Marie-Reine Le Gougne manipulou notas para beneficiar os russos Elena Berezhnaya e Anton Sikharulidze na categoria Pares, em troca de garantia de resultados para a dupla francesa de Dança no Gelo Marina Anissina e Gwendal Peizerat. Depoimentos e evidências apontaram que Le Gougne agiu na ocasião sob ordens de Gailhaguet, que então ocupava o mesmo cargo que tem agora: a presidência da FFSG. Em 2002, após o escândalo, o dirigente foi destituído de suas funções como membro do conselho da União Internacional de Patinação (ISU) e afastado por três anos de eventos da entidade, mas seguiria por mais dois anos à frente da FFSG, até renunciar em 2004. Mais tarde, em 2007, Gaillhaguet voltou a ocupar a presidência da FFSG, e tem se mantido no cargo ininterruptamente nos últimos 13 anos.

Nesta quarta-feira, Gailhaguet deu entrevista coletiva onde disse que não vai se demitir e negou as acusações de acobertamento de abusos sexuais de menores. Ele alegou que desconhecia a maior parte dos casos, mas chegou a pedir investigações sobre a conduta de Gilles Beyer em 2001 e o próprio Ministério dos Esportes não teria achado fundamento nas acusações. Também na coletiva o presidente da FFSG criticou a imprensa e a posição da ministra Roxana Maracineanu: "Se estou aqui diante de vocês é que a sra. Ministra não me ouviu. Ela está envolvida em suas próprias certezas e no meio de uma midiatificação louca, frequentemente inexata. Desde quando neste país foi suprimida a presunção de inocência? A FFSG está sendo acusada com base em mídias endoidecidas, por uma ministra moralizadora e por oportunistas de circunstâncias que não se tem visto nas pistas de patinação por no mínimo 10 anos com fins eleitoreiros".

A frase foi um ataque tanto a Ministra Maracineanu quanto ao ao patinador francês Philippe Candeloro, duas vezes bronze olímpico na categoria individual masculina em Lillehammer-1994 e Nagano-1998. Aposentado desde 1998, Candeloro tem sido um crítico constante da "lei do silêncio" denunciada na Patinação Artística francesa em relação a abusos morais e sexuais, e desde o incidente envolvendo Morgan Ciprés tem pedido investigações mais rigorosas. Agora o patinador de 47 anos pede também o afastamento de Gailhaguet: "Ele estava necessariamente ciente (dos abusos). Quando a gente entende o que aconteceu, a gente vê o quanto isso sujou o nome da Patinação Artística. Já tem mais de trinta anos que Gailhaguet está aí e a gente espera que algo mude". Gaihaguet por sua vez acusa Candeloro de ter interesses em assumir a presidência da FFSG no seu lugar.

As denúncias de abusos sexuais causaram uma intensa revolta sobretudo entre os atletas e público, que se uniram em massa exigindo investigações e a expulsão do dirigente do esporte. A dupla de Dança no Gelo Gabriela Papadakis e Guillaume Cizeron, principais nomes da França ativos em competições, ganhadores da medalha de prata nas olimpíadas de PyeongChang-2018 veio a público em um raro pronunciamento em redes sociais, dando apoio incondicional às vítimas. Em seu Twitter, Cizeron postou: "Quero expressar apoio e admiração pela coragem de Sarah Abitbol. Gabriella e eu acreditamos que os valores desse esporte que representamos são puros. Como patinadores, técnicos, pais, fãs, nós todos queremos que esse belo esporte permaneça saudável e seguro". A pentacampeã  francesa de Dança no Gelo Nathalie Pécahlat, quarta colocada nas Olimpíadas de Sochi-2014 se uniu a outros 53 atletas de diversas modalidades, dentre eles as esquiadoras Ophélie David e Marie Martinod, a tenista Tatiana Golovin e o judoca octacampeão mundial e bicampeão olímpico Teddy Riner na assinatura de uma carta aberta exigindo mais segurança nos ambientes esportivos e a investigação urgente dos casos de abusos sexuais: "Finalmente, um primeiro avanço no muro do silêncio. Revelações recentes de agressões sexuais sofridas por vários jovens atletas abalaram o sistema e despertaram nossa raiva. Nós, atletas franceses de alto nível, nos sentimos revoltados. Revoltados, mas infelizmente não surpresos (...)Expressamos nosso apoio e solidariedade com as vítimas. Como membros da comissão francesa de atletas de alto nível, eleita pelos nossos pares, somos responsáveis ​​por defender os interesses dos atletas" (Leia aqui a íntegra do documento-Em francês)

Gwendal Peizerat, ouro olímpico em Dança no Gelo em Salt Lake City-2002 e bronze em Nagano-1988 apresentou um comunicado com mais denúncias contra Gailhaguet. Peizerat concorreu à presidência da FFSG em 2014 em uma chapa de aberta oposição a Gailhaguet e também acusou o atual presidente de distorcer as leis da entidade e cometer fraude no processo eleitoral para se manter no poder: "Após ter tentado lutar pelas urnas, chamando os presidentes de clubes ao bom senso, após ter tentado fazê-los entender que uma organização presidida por uma pessoa amoral mecanicamente cria situações amorais e abuso, após ter ouvido dúzias de testemunhos falando sobre o sofrimento psicológico causado pelo sistema, após ver talentos franceses fugirem para outros países, após ter desistido ante a falta de poder e falhas do Governo e de sucessivos ministros para mudar as coisas. Após eu mesmo ter parado de lutar e ficado aguardando a morte natural da origem do mal, vejo uma esperança de mudança que vem com a evidência ainda que tardia do sofrimento vivido por essas jovens garotas  e sua coragem hoje em dia de se exporem. Não vamos esquecer, no entanto que hoje é apenas a ponta do iceberg: a vasta maioria do sofrimento causado por anos foi encoberta e estimulada por essa 'omertà' imposta por um sistema imutavelmente mafioso, apesar da maioria dos presidentes de clubes ter sido favorável à mudança em 2014. Naquele ano, todos os atletas uniram forças por esperança. Mas o truque de dar direito a votos múltiplos para os grandes clubes matou essa esperança".

Um dos grandes clubes referido por Peizerat é o Français Volants de Paris, onde o técnico Gilles Beyer, acusado de ter estuprado Sarah Abitbol e Heléne Godard, exercia cargos como treinador e na diretoria até a última terça-feira, dia 4 quando por conta do escândalo atual foi excluído de seus quadros. O clube segue, no entanto, presidido por Alain Beyer, irmão do treinador afastado.

No final da tarde desta quarta-feira, uma nova denúncia contra Gilles Beyer foi divulgada pelo jornal "LÉquipe": em 2017 o treinador teria chantageado a mãe da campeã nacional júnior de 2014 Nadjma Mahamoud, exigindo favores sexuais. Sabina Mahamoud, que trabalha como auxiliar de enfermagem em um hospital em Hauts-de-Seine declarou que o treinador iniciou o assédio ao perceber que a família não poderia arcar com os custos de levar Nadjma para treinar em Paris: "Nas competições ele nem me dizia bom dia, mas começou a me enviar mensagens obscenas quase todos os dias" Em certa ocasião, Beyer teria escrito em uma mensagem enviada para Sabine: "Você se deita comigo, não paga nada e eu levo sua filha para treinar em alto nível". Em outras mensagens, Beyer exigia que Sabine não contasse a Nadjma o que estava acontecendo, perguntava se a garota então com 17 anos ainda era virgem e chegou a propor um encontro sexual com mãe e filha. Sabine Mahamoud afirmou não ter cedido aos avanços do técnico, mas descreveu a situação como extremamente humilhante: "Eu queria o sucesso da minha filha, mas não a esse preço. Ele sabia que tínhamos poucos recursos e se aproveitou da situação".

Nadjma Mahamoud afirmou que logo na primeira reunião dela e da mãe com Beyer, reparou que o treinador fazia comentários inoportunos sobre seu corpo, chegou a apalpar as nádegas de Sabina e dizer que "lamentava não poder ver os seios". Ao descobrir o assédio que o treinador fazia com sua mãe, Nadjma Mahamoud abandonou a carreira na Patinação Artística imediatamente: "Fiquei chocada, com nojo. É por isso que eu saí do clube dias depois. Não disputei o Nacional da França e não patinei mais por causa dessa história".


Foto: ANews


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