Era consenso que as Olimpíadas de 2020 deveriam ser adiadas. Há um mês o panorama mundial era ruim, mas agora é catastrófico. Entretanto, o Comitê Olímpico Internacional seguiu com o discurso de que não haveria adiamento ou cancelamento, também corroborado pela indecisão do Comitê Organizador Japonês. Atletas, comitês e líderes se manifestavam contra essa corrente e lembravam que o tempo era curso e a preparação estava comprometida. E a corda arrebentou. Os Jogos foram para 2021 e o COI se viu, mais uma vez, sob ataque da opinião pública.
Há alguns anos o Comitê Olímpico Internacional vem sendo alvo de denúncias e reclamações por parte de diversas esferas esportivas e até judiciais. Similar ao caso da FIFA no futebol, as maiores queixas advém, principalmente, da forma como as entidades tentam sempre sobrepor seus interesses sobre os dos países ou atletas. Não raros os exemplos onde a esfera do esporte foi chutada para defender seus princípios.
A mais recente - e que abalou de forma severa sua imagem - foi quando a Operação Lava Jato, no Brasil, revelou um esquema de compra de votos para que os Jogos viessem para o Rio em 2016. À época da escolha da sede, em 2009, o então governador Sérgio Cabral e o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) Carlos Arthur Nuzman teriam sido os articuladores. Ambos estão presos.
Entretanto as maiores reclamações dizem respeito às exigências feitas pelo COI. Não são poucas. Muitos países abriram mão das candidaturas por conta delas e seus altos custos, muitas vezes com uso do dinheiro público, enquanto a entidade segue seu roteiro à risca. Foi assim que todas as sedes estouraram os valores primários estipulados sobre o orçamento das Olimpíadas. No Brasil, como sabemos, virou caso de polícia. Irredutível quanto ao cumprimento das metas, o Comitê continuou sob muitos discursos contrários aos seus métodos.
Desta vez repetiu a sua maneira de condução onde os "valores olímpicos" estavam acima de uma pandemia, países, atletas e tudo o que envolve diretamente a realização dos Jogos. Mundo afora viu competições esportivas das menores às maiores sendo canceladas. Porém Tóquio 2020 programada e com a frase que beirava a arrogância: "não vê motivo para cancelamento das Olimpíadas".
A OMS, há cerca de dois meses, defendia que o adiamento seria precipitado. Mas a Covid-19 se alastrou pela Europa e América. A recomendação mudou completamente. Só que tudo seguiu como estava. Fatores econômicos e contratos pesaram. Mais uma vez, o Comitê Olímpico Internacional era soberano. Por que cancelar a maior de todas as competições se ainda faltam mais de três meses?
Porém os Comitês, antes fechados com o COI, viram que o buraco seria maior que o previsto. Pior, seus competidores chegariam em julho despreparados ou seriamente comprometidos quanto ao ciclo olímpico programado. As exigências agora se viraram contra quem as exige a cada nova sede. A organização japonesa, indecisa, embasava a manutenção do cronograma.
Primeiro foi o Canadá quem anunciou que boicotaria a Olimpíada caso fosse mantida. Depois Austrália enviou mensagem pedindo aos seus atletas que se preparassem para 2021. E, por fim, uma carta conjunta das principais delegações mundiais - incluindo o Brasil - exigindo o adiamento dos Jogos. Mas o planeta assistia de forma perplexa a resposta: o caso ainda seria analisado. Mais um mês, no mínimo.
O grande temor do presidente do COI, Thomas Bach, era de que o adiamento causasse prejuízos financeiros não só aos Comitês, como aos parceiros. Além da imagem ficar comprometida com os contratos indo à pique. Novamente: sem dinheiro não há poder. Sem poder, não há como fazer tantas exigências e se sobrepor aos futuros países sedes.
Fontes ouvidas pela coluna Surto Afora, no último dia 22 de março, garantiram que era apenas jogada para não parecer que o COI tinha perdido no campo político após indecisão junto ao Comitê Organizador. O adiamento aconteceria e, como tudo que envolve a entidade, seria preparado um anúncio onde ela saísse por cima.
Todavia, a corda da paciência arrebentou. Mesmo podendo ter um prejuízo de até R$ 13 bilhões com os Jogos em 2021, o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe se antecipou e exigiu a mudança imediata de data. A opinião pública local, além da pressão financeira interna sobre os rumos desta edição em contraste ao coronavírus, pesaram pela decisão. Bach ficou isolado e sem opção. As Olimpíadas de 2020 estavam adiadas formalmente.
Foi um duríssimo golpe político, financeiro e esportivo para o COI. Sempre mandante nas mesas de negociações, se tornou uma carta que rodou conforma as jogadas.
Com a imagem abalada após diminuir os riscos e as recomendações sanitárias sobre o adiamento, o Comitê Olímpico Internacional se vê, mais uma vez, contra a parede. E desta vez com a opinião mundial toda contrária. Contestações sobre como a entidade comanda suas ações e decisões que antes existiam, agora aumentaram a uma escala poucas vezes vista.
Pior que a situação em si é a ausência de data, mostrando como as negociações foram conduzidas de forma improvisada e sem um plano B. A incógnita permanecerá por algumas semanas ainda, aumentando a fervura do caldeirão onde Bach e seus pares caíram. E, neste momento, estão totalmente aleijados de tal escolha. Ficará mesmo a cargo do Japão e os rumos com que a Covid-19 tomará no futuro próximo.
Fala-se em remarcação do cronograma para a primavera japonesa - entre março e junho - ou na mesma data prevista, mas em 2021. Nada acertado, tudo confuso. Até mesmo sobre calendário e formato das disputas. Um caos imprevisto, mas não perdoável para uma entidade com tantos poderes.
O COI, como no ditado popular, colocou-se acima da coroa do rei. E neste caso, a realeza se moveu contra e o fez bobo da corte. A imagem sai arranhada e precisando repensar seus próximos passos. Foram deixadas de lado as vidas dos cidadãos e até atletas em nome da influência (quase) permanente.
Adiadas as Olimpíadas. Cabe acompanhar se este poder pleno do Comitê Olímpico Internacional também será adiado...
Foto: REUTERS
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