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Joanna Maranhão avalia como o esporte pode ajudar na manutenção da democracia: "Não vejo como dissociar"


Sempre engajada em movimentos sociais na busca pela manutenção da democracia e pelo fim de qualquer tipo de preconceito, a ex-nadadora Joanna Maranhão, em entrevista exclusiva ao site Surto Olímpico, avaliou formas de como o esporte pode ajudar nessas lutas, ressaltando que existem outras vertentes esportivas além do alto rendimento. 

"Não vejo como dissociar o esporte da luta pela democracia. E olhando neste setor, as pessoas logo pensam no alto rendimento, na força, na agilidade, nos resultados, mesmo sendo uma área excludente. Ela ganha mais proporção por causa dos torneios internacionais, pelos atletas carregarem a bandeira do seu país, ganha cobertura da imprensa. Mas o esporte é muito mais do que isso", disparou Joanna. 

"É possível você dar aulas esportivas ou de iniciação nas modalidades, sem distinção de gênero, incluindo pessoas com e sem deficiência. Porque quando você consegue fazer essas aulas inclusivas, proporcionando isso para mais pessoas, você está trabalhando a democracia. Isso é a expressão da democracia" argumentou. 

A ex-nadadora também identificou formas de lidar com pautas identitárias, citando os casos dos Jogos Indígenas e da 'Gaymada', um evento LGBTQ+ que incentiva a prática esportiva e tenta quebrar preconceitos dentro de uma área da sociedade muitas vezes opressora. 

"Existem muitas possibilidades. Se a gente pensar na educação física escolar como esse local de inclusão e trazer o histórico de modalidades, apresentação de grandes nomes, pensando até mesmo em legado esportivo. Tem muita coisa para fazer nesses sentidos", relatou. 

Iniciativa "Esporte pela Democracia"

Oito vezes medalhista nos Jogos Pan-Americanos e finalista olímpica dos 400m medley e do revezamento 4x200m nado livre, Joanna Maranhão agora luta em causas sociais, como a iniciativa "Esporte pela Democracia", que tem tomado cada vez mais força, ganhando novos adeptos.

"Foi uma iniciativa da Aninha (ex-jogadora de vôlei Ana Moser), do Casagrande (Walter Casagrande, ex-jogador de futebol e atualmente comentarista do Grupo Globo) e do Raí (ex-jogador de futebol e atual coordenador técnico do São Paulo)", explicou. "Em um grupo de Whatsapp a gente começou a pensar o que poderíamos fazer, como conseguiríamos agregar o máximo de pessoas voltadas ao setor esportivo, que tivessem esse histórico de posicionamento e em uma linguagem fácil, fazendo então com que até aqueles atletas que normalmente não se posicionam, se sentissem incentivados e protegidos para participar com a gente". 

Convocando diversos atletas, Ana Moser postou em seu perfil no Twitter o texto da campanha. 

"Nós, atletas, ex-atletas e profissionais ligados ao esporte, cidadãos brasileiros antes de tudo, afinados com o pensamento de diversas categorias e nos juntando às vozes que pactuam com a democracia, os direitos humanos e civis, respeito à vida e à diversidade, estamos aqui unidos em nome daquilo que sempre acreditamos e praticamos em nossas profissões e deve se estender sem restrições ao exercício cotidiano: o direito supremo à vida e a uma sociedade justa, igualitária e ANTIRRACISTA, o respeito das individualidades e o valor do coletivo em nome do bem-estar e da dignidade para todos", afirma. 


Posicionamento de atletas, decepções e como a imprensa pode contribuir

Com diversos problemas políticos e sociais no cotidiano, muitas pessoas pedem nas redes sociais o posicionamento de diversos atletas, nem sempre sendo atendidas. Contudo, Joanna explica que acredita em uma série de fatores do dia a dia de um atleta que levam a esse silêncio, mas revela que isso pode ser contornado. 

"Tem um contexto histórico de um sistema que se retroalimenta de atletas que só falam de esportes e que não debatem outras coisas. E isso corrobora porque dentro da vida de atleta de alto rendimento geralmente a gente não tem tempo para pensar em outra coisa. O foco tem que ser muito na perfeição, no centésimo, no ângulo da braçada", declarou. "O dia tem 24 horas, é um estresse físico e mental muito grande e muitas vezes não dá tempo de profundar em tudo que está acontecendo. Mas não é impossível, pois não somos atletas 24 horas por dia. E existe também a retaliação, que faz o atleta pensar o que pode ser bom ou ruim para aquela modalidade e o que ele tem de fato direito ou não de falar".

Joanna conquistou três pratas e cinco bronzes em quatro edições dos Jogos Pan-Americanos Foto: Satiro Sodré/SS Press 
Se enxergando em uma posição de privilégio por ter sido uma atleta de alto rendimento, não sofrer racismo e não passar necessidades, Joanna quer ajudar a dar voz para aqueles que por muitas vezes ficam "invisíveis". 

"Acho que não é muito do interesse da gente quanto classe média e classe dominante, transformar a sociedade, tonar ela mais igualitária. Portanto essas ações e reflexões precisão ser pontuadas. E isso permeia o debate político, passando por 'em quem eu vou votar' ou 'qual é o projeto de governo que eu quero para o meu país", afirmou. 

Nos últimos anos, o país vive uma grande polarização, caracterizada por uma crise política e a tensão entre governo e oposição. De acordo com Joanna, a instauração de pensamentos mais extremistas no Brasil, apoiado por muitos de seus ex-colegas de modalidade, resultou em um sentimento de muita tristeza. 

"O atual presidente teve muitos votos de atletas de natação porque muitos concordavam ideologicamente com ele. Em absolutamente tudo. Desde as falas mais genéricas, como propor que ele é um cara antissistêmico, até falas mais agressivas voltadas aos negros, como aquela dos quilombolas, em que ele diz 'pesam sete arrobas e não servem para nada' e voltadas a homossexuais também, como quando ele falou que se o menino está com trejeitos, 'é só bater que resolve'. Houve uma consonância com o conjunto que ele representa e isso me entristeceu bastante", elucidou Joanna. 

Ao ser perguntada sobre como a imprensa pode ajudar os atletas na busca pela igualdade social, Joanna foi direta. "Buscando fazer com que esses atletas reflitam sobre seus privilégios, sobre o poder que eles têm. E principalmente mostrar como é possível fazer isso e se posicionar, mas sem necessariamente personificar esse posicionamento em um partido político ou uma pessoa, e sim pensar em um projeto de país, até mesmo um projeto que leve o esporte a sério, que debata as políticas esportivas e suas complexidades e que busque ir para a ação", concluiu. 

Foto: Satiro Sodré/SS Press

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