Por Felipe Dos Santos Souza
Globo
Narração: Geraldo José de Almeida e Luciano do Valle
Comentários: Ciro José
Apresentações: Léo Batista e Júlio de Lamare
Mesmo que a Organização das Televisões Iberoamericanas já tivesse sido fundada, em 1971, e ficasse responsável a partir dali pela relação com as entidades esportivas no tocante às transmissões, ainda coube a uma emissora brasileira comprar isoladamente os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de 1972. No caso, a TV Globo: fundado em 1965, o braço televisivo das organizações comandadas pela família Marinho - naquela época, ainda com outros diretores - já dera um passo decisivo ao se incluir no pool (grupo de emissoras, que dividiam cotas e juntavam forças na transmissão) que fez as marcantes transmissões da Copa de 1970, junto das TVs Tupi e Bandeirantes.
Em 1972, a Globo já caminhava para um longo período de hegemonia, fosse com práticas controversas, fosse com produções de qualidade. E decidiu fazer uma aposta no esporte. Negociou diretamente os direitos televisivos dos Jogos de Munique com a WDR (Westdeutschen Rundfunk), um dos canais integrantes da ARD, conglomerado público alemão de televisão. Comprou-os. E seria a exibidora exclusiva das competições olímpicas para o Brasil – pela primeira vez, ao vivo, vale lembrar, com a estação brasileira que já recebia sinais do satélite Intelsat 1. Só haveria um porém: mesmo que as transmissões coloridas já tivessem começado no território nacional (mais precisamente, em 19 de fevereiro daquele mesmo 1972), problemas técnicos fariam com que os brasileiros ainda vissem os Jogos Olímpicos em preto e branco. Mas diante do avanço de poder ver as disputas esportivas enquanto elas ocorriam, a cor era o de menos.
Problema maior para a TV Globo era o envio de profissionais que pudessem dar conta de um evento daquele tamanho, numa emissora que sequer tinha uma divisão de esportes bem constituída, naquela época. Restava apostar nos amplos recursos que a televisão alemã colocaria à disposição: gerador de caracteres imediato, computadores com os dados dos competidores, várias câmeras. E restava apostar nos poucos empregados que tinham vinculação próxima com o esporte – e fazer uma divisão entre os sete nomes escolhidos para fazerem a cobertura global dos Jogos Olímpicos. Alguns iriam para Madri: na capital espanhola estava a base da antiga Organização de Rádio e Televisão da Olimpíada, um órgão do COI já extinto, destinado especialmente a monitorar a exibição dos jogos. Outros iriam para Munique, acompanhando e transmitindo ao vivo as competições.
Na cidade alemã da Baviera, estaria um jovem nome, paulista de Campinas, 25 anos de idade naquela época, trabalhando pela primeira vez em Jogos Olímpicos. Na Globo ele estava desde 1971, pego às pressas para trabalhar no Torneio Governador do Estado, competição amistosa de basquete. Mas já tinha a experiência de oito anos em rádio, incluindo passagens pelas rádios Tupi e Nacional, em São Paulo. Foi o suficiente para que Luciano do Valle Queiroz (1947-2014) já recebesse a aposta, como um dos dois narradores globais em Munique.
Junto a Luciano do Valle, estava um cidadão de trajetória profissional semelhante a ele: também paulista, mas da cidade de Anhumas, Ciro José Carvalho Gonsales tivera passagens pelas rádios Panamericana (futura Jovem Pan) e Globo. Da Rádio Globo, Ciro José foi outro a começar em televisão às pressas, com Luciano e o repórter Juarez Soares, no Torneio Governador do Estado. Com prática e gosto no acompanhamento do então chamado “esporte amador”, Ciro e Luciano receberam a aposta da direção da TV Globo. Ali começariam trajetórias de êxito, na frente e atrás das câmeras – atrás, principalmente Ciro, que em Munique acumularia narrações (menos) e comentários (mais).
Com eles, em Munique, também estaria um outro narrador, bem mais experiente. Vindo da larga trajetória no rádio, iniciado na televisão pela Excelsior, na década de 1960, Geraldo José de Almeida (1919-1976) já marcara época na Copa de 1970, como narrador representante da Globo no pool com Tupi e a Rede de Emissoras Independentes (ou seja, Record e Bandeirantes). Bordões não faltavam a “Gera”: “Que bola bola!” (para um bom passe durante um jogo de futebol), “Olha lá, olha lá, olha lá no placar” (para celebrar um gol), “Por pouco, muito pouco, pouco mesmo” (para uma bola que passasse perto do gol). Por tudo isso, enquanto Ciro e Luciano cuidariam das transmissões ao vivo de outros esportes, Geraldo ficaria com a participação brasileira no torneio olímpico de futebol. Além de quem apareceria na frente das câmeras, também iriam à cidade-sede dos Jogos Olímpicos Ricardo Strauss, cinegrafista, e Luiz Carlos Sá, responsável pela parte administrativa da cobertura.
Todavia, as transmissões ao vivo ainda seriam minoria naquela cobertura: receberiam mais atenção os boletins diários feitos pela equipe da TV Globo, tanto em Munique quanto em Madri, para serem exibidos no Jornal Hoje, no Jornal Nacional e no Jornal Internacional (este último, exibido às 22h40 entre 1972 e 1975, dando prioridade ao noticiário importante de outros países). Finalmente, após o Jornal Internacional, às 23h de Brasília, o canal dos Marinho mostraria o Boletim dos Jogos Olímpicos. Com uma hora de duração, tendo à disposição o farto material diário produzido e editado pela OTI
com as disputas olímpicas, o Boletim teria a voz dos enviados da Globo a Madri. Eles teriam tempo para prepararem as narrações dos eventos ocorridos durante o dia que estivessem no material da OTI.
Para ajudar atrás das câmeras, estaria a produtora Myriam de Lamare, esposa de alguém que já será citado. Outro dos globais daquela cobertura olímpica que estavam na capital espanhola já era presença de longa data na história televisiva esportiva brasileira: Léo Batista, na TV Globo desde a Copa de 1970, fora o que já fizera nos pouco mais de 20 anos de carreira que tinha, da rádio no interior de São Paulo ao TV Rio Ringue. Finalmente, o outro responsável em Madri pela locução (e alguns comentários) do boletim olímpico diário foi um nome até mais acostumado ao esporte amador. Até por
essa intimidade, estava preparado para os Jogos Olímpicos: Júlio de Lamare (1928-1973).
Júlio de Lamare: vindo do esporte para o jornalismo, já era sinônimo pioneiro de esportes olímpicos no rádio e no jornal. Começava a ser na televisão, mas não teve tempo de aprofundar isso (Arquivo pessoal de Myriam de Lamare/Memória Globo) |
Júlio de Lamare: o pioneiro que não teria tempo
O carioca Júlio era mais um caso de gente vinda do meio do esporte para o jornalismo: atleta do Fluminense, chegou a competir nos Jogos Olímpicos de Helsinque (1952), como um dos jogadores brasileiros de pólo aquático. Depois, vieram várias passagens: rádio (Tamoio, Tupi) e jornal (Última Hora). Até que, em 1955, De Lamare foi chamado para escrever em outro jornal, O Globo, sobre o assunto que dominava: esportes olímpicos. Assim ficaria pelos anos seguintes – e dividiria o trabalho com as raras oportunidades na TV Globo, a partir de 1970.
Quando chegou para os Jogos Olímpicos de 1972, experiência não faltava a Júlio. Até em termos técnicos, conforme Myriam de Lamare lembrou em depoimento ao projeto “Memória Globo”, em 2003: “Como a Globo não tinha ainda a experiência de fazer uma transmissão olímpica, eles não conseguiram o sinal de satélite saindo de Munique diretamente para o Brasil nos horários que a gente queria. (...) Então, o Júlio foi para Madri, para pegar o sinal que era enviado de Munique para a tevê espanhola, e lá ele usava esse sinal que chegava, e fazia o boletim que era mandado para os jornais daqui do Brasil. O boletim vinha todo já pronto, com os diversos esportes que estivessem acontecendo naquele dia”.
Se Myriam descrevia os detalhes técnicos, os elogios vieram da boca de Léo Batista, também ao “Memória Globo”, em depoimento dado em 2000: “[Júlio] Sabia tudo. Fazia futebol, fazia Fórmula 1, fazia boxe, fazia atletismo, esportes olímpicos, então, nem se fala. O cara sabia tudo”. O que não quer dizer que Léo ficou sem serventia nos boletins de 1972: se Júlio os apresentava, ele os narrava. “Ele falou assim: ‘Léo, você vai ser o meu locutor olímpico de esportes amadores. Porque eu sei que você gosta disso, você é interessado, então vai ser o meu principal nesse setor”. Também ao “Memória Globo”, em 2007, Luciano do Valle definiu: “O Júlio foi o nome que abriu portas para que as pessoas entendessem que a televisão não era só futebol, esporte não era só futebol”.
Com as narrações de Léo Batista e as apresentações (e eventuais narrações também) de Júlio de Lamare, o boletim noturno olímpico da Globo foi a mais elogiada novidade de uma cobertura olímpica também inédita na televisão brasileira. E Júlio de Lamare era o alvo da maioria dos elogios. Em “Na Grande Área”, coluna que mantinha no Jornal do Brasil, Armando Nogueira comentou, em 1º de setembro de 1972: “Medalha para a performance de Júlio de Lamare, seja narrando provas ao vivo, seja apresentando o boletim de uma hora que a Rede Globo vem fazendo com imagens por satélite direto de
Munique”.
E na edição nº 124 da revista Amiga, também durante aqueles Jogos Olímpicos, Paulo Alberto Artur da Távola Moretzsohn Monteiro de Barros, o Artur da Távola (1936-2008), decano da crítica televisiva brasileira (entre tantas outras atividades), justificava os elogios: “A última lição da relação público-desporto foi dada pelo narrador Júlio de Lamare. Narração na qual a informação predomina sobre a palavra, os adjetivos, os discursos, a emocionalidade estéril. Sentido absoluto do meio utilizado: a televisão. (...) Conhecimento profundo das regras e técnicas de cada esporte focalizado. Nenhum exagero ou deslumbramento gritado. Consciência da informação, uma extensão desta a níveis mais profundos de entendimento. Finalmente, linguagem simples. Nada de enrolações, de necessidade neurótica de brilhar mais que o espetáculo, este que é o verdadeiro protagonista de tudo. Julio de Lamare realizou um excelente trabalho”.
Foi o que se viu, tanto da parte de Júlio de Lamare quanto da parte de Léo Batista, que narrou momentos como o ouro do alemão oriental Wolfgang Nordwig no salto com vara masculino ou até o bronze do brasileiro Nélson Prudêncio no salto triplo masculino nos boletins noturnos. Todavia, nos momentos exibidos ao vivo de Munique – momentos que incluíram a cerimônia de abertura, em 26 de agosto de 1972 -, também se destacavam Luciano do Valle, Ciro José e Geraldo José de Almeida. E um fracasso brasileiro no torneio olímpico de futebol rendeu outro momento pioneiro: a primeira partida de basquete válida pelos Jogos Olímpicos exibida ao vivo.
Basquete exibido ao vivo
Quem contou foi Luciano do Valle, ao projeto “Memória Globo”, em 2007: “O Geraldo iria fazer o[s jogos de] futebol, e eu iria fazer alguma coisa que a gente não sabia, mas que provavelmente seria o basquete. Só que o Brasil, de cara, já perdeu para a Dinamarca, por 3 a 2 [estreia da Seleção Olímpica, em 27 de agosto]. (...) Aí, no próximo jogo, que o Brasil faria contra a Hungria, a Globo resolveu cancelar [a exibição]. Falaram ‘se nós perdemos da Dinamarca, nós não vamos ganhar da Hungria’,e acabamos não ganhando mesmo [empate em 2 a 2]. Fomos desclassificados logo na fase inicial. Então, o Geraldo ficou sem fazer nada lá. Aí, o Boni resolveu fazer [a transmissão do] basquete. E é o que eu digo: a primeira transmissão de um jogo na Olimpíada foi feita nesse dia. Eu e Ciro José, em Brasil x Cuba, basquete masculino. O Brasil ganhou o primeiro tempo por 23 pontos de diferença e conseguiu perder o jogo”.
Sem muitas imagens restantes daqueles Jogos Olímpicos nos arquivos da TV Globo, pelo incêndio na sede carioca da emissora, em 1976, a transmissão daquele jogo de basquete entre brasileiros e cubanos, no dia 3 de setembro de 1972, se perdeu. Pelo menos, restaram estes trechos, de um “Globo Repórter” pré-Jogos de 1976, quando Ciro José lembrou a decepção da derrota da equipe masculina brasileira, por 64 a 63, decretando a eliminação do quinteto treinado por Togo Renan Soares, o “Kanela”, ainda na fase de grupos. No mesmo “Globo Repórter” de 1976, Myriam de Lamare também lembrou outro marco ocorrido em Munique: as sete medalhas de ouro de Mark Spitz.
Luciano do Valle e Edvar Simões: perto do atentado
Contudo, o basquete masculino brasileiro acabou indiretamente envolvido no modo como os enviados da Globo a Munique souberam da ocorrência mais marcante daqueles Jogos Olímpicos – uma das mais marcantes da história olímpica: o atentado do grupo terrorista Setembro Negro à delegação de Israel, dentro da Vila Olímpica, iniciado com uma invasão (e alguns assassinatos) e terminado desastrada e tragicamente no aeroporto de Fürstenfeldbruck, com atiradores de elite da polícia alemã trocando tiros, a explosão de um helicóptero, e a morte consequente de todos os atletas feitos reféns.
Pois bem: aquela seria a última edição dos Jogos em que os jornalistas podiam entrar no alojamento dos atletas, tendo até um prédio para seus trabalhos. E naquela noite de 5 de setembro de 1972, Luciano do Valle estava nesse prédio, conversando com Edvar Simões, um dos jogadores do time de basquete. Ciro José começou justificando a ausência do atleta na equipe: “Edvar tinha quebrado a mão, num treino”. E Luciano seguiu, no “Memória Globo”: “Ele estava fora da delegação, e o Kanela, que era o treinador, o liberou. Então, Edvar saía com a gente, à noite”.
Luciano descreveu ao programa de memória institucional do Grupo Globo como era a Vila Olímpica em Munique: “Era assim: uma avenida enorme, com os prédios das delegações, e esse prédio dos jornalistas era bem no início, assim, bem na entrada. E eu e Edvar ficamos ali. Aí, chegou uma hora em que falamos ‘Edvar, quatro horas da madrugada!’. E ele foi, em direção ao alojamento do Brasil, que era em frente ao de Israel. E eu saí da Vila Olímpica, porque eu estava num lugar perto da Vila Olímpica. A única coisa que eu notei foi que um cara pediu minha credencial, olhou – eles nunca olhavam. Aí, saí. Aí, no dia seguinte, a gente soube que estava acontecendo aquilo.Eram 3h10 quando aconteceu, e nós estávamos a 700m. E não ouvimos absolutamente nada. Eu levei dois dias para encontrar o Edvar – porque já não se tinha mais acesso à Vila -, e eu queria saber do Edvar [se ele tinha visto algo], porque foi ‘na cara do gol’. Ele chegou, era só atravessar um canteiro, e estava lá o prédio de Israel”.
Ainda assim, mesmo com o clima triste em que aqueles Jogos Olímpicos se encerraram, em 11 de setembro de 1972, e com o pequeno número de medalhistas brasileiros (dois – o bronze de Chiaki Ishii no judô masculino, até 93kg, e o supracitado bronze de Nélson Prudêncio), a TV Globo seguiu sua cobertura. Coube a Luciano do Valle narrar, emprestado à Rádio Globo, a medalha de ouro polonesa no futebol masculino. E houve quem visse aquela atuação olímpica com otimismo: Júlio de Lamare, que externou sua avaliação promissora das capacidades brasileiras, num programa da emissora, logo após aquela edição dos Jogos.
(Avaliação da participação brasileira nos Jogos Olímpicos de 1972, por Júlio de Lamare, em programa da TV Globo, ainda naquele ano. Postado no YouTube por Edu Cesar)
Sensações distintas: a dor da perda de Júlio de Lamare, o otimismo com o esporte
Também eram promissoras as capacidades de Júlio de Lamare comandar o esporte dentro da TV Globo. Ele seguiu envolvido nas transmissões de vários esportes: futebol, boxe, Fórmula 1 (que recebeu o impulso decisivo também em 1972, com o título de Emerson Fittipaldi), natação, tênis, sempre sendo elogiado pela calma na descrição dos lances. Em 1973, Júlio foi transformado no primeiro diretor da Divisão de Esportes da TV Globo. No mesmo ano, foi personagem fundamental na organização do primeiro Festival Internacional de Ginástica, em 16 e 17 de maio, no Maracanãzinho, tendo como grande atração justamente a principal medalhista do ano anterior em Munique: a soviética Olga Korbut, quatro medalhas de ouro. A Globo mostrou um compacto daquele festival, no que provavelmente foi a primeira exibição de ginástica artística da televisão brasileira.
As intenções do carioca ficavam claras numa declaração, citada pelo jornalista Alberto Léo (1950-2016): transformar o esporte em algo atraente, independentemente de ídolos. “O Brasil, em relação ao esporte, ainda vive muito em torno do ídolo. O público brasileiro não tem, como o europeu, o japonês e o norte-americano, uma tradição esportiva. E isso acontece no futebol, no automobilismo e em outros esportes. O interesse do brasileiro pelo esporte se expandiu e, depois dos Jogos Olímpicos de Munique, aumentou”.
E Júlio vinha sendo personagem fundamental nisso. Até a fatalidade interromper seu caminho. Em 10 de julho de 1973, ele embarcou no voo RG-820 da Varig, partindo do Rio de Janeiro (aeroporto do Galeão, hoje Tom Jobim) rumo ao aeroporto de Orly, arredores de Paris. Júlio ia junto do empresário e ex-piloto Antonio Carlos Scavone, comentarista nas provas de Fórmula 1 que a Globo exibia – como aconteceria no dia 14 de julho, com o Grande Prêmio da Inglaterra. Porém, um incêndio iniciado num dos banheiros do RG-820 forçou um pouso de emergência, numa plantação de cebolas. O fogo, a aterrissagem forçada e a fumaça tóxica mataram 123 das 134 pessoas a bordo (117 passageiros, 11 tripulantes). Entre os que perderam a vida, estavam Júlio de Lamare e Antonio Carlos Scavone.
Claro, a comoção foi gigantesca. Já em Orly, o jornalista húngaro Janos Lengyel (1919-1986), decano da cobertura de Fórmula 1, teve de trabalhar na cobertura fúnebre. No Rio de Janeiro, em seus “Dois Minutos”, tradicional comentário esportivo que fazia antes do Jornal Nacional, João Saldanha só conseguiu falar “O Julinho... o Julinho...” antes de parar e fazer o sinal de despedida, contendo o choro com dificuldades. Se não pôde falar, João pôde escrever, n’O Globo de 12 de julho, em sua coluna: “Esse avião da Varig que caiu ontem em Paris e matou tanta gente levou também o bom companheiro e amigo Júlio de Lamare. Tudo que se pode dizer do Julinho como profissional está escrito, com muita saudade, em nossas páginas de hoje. O que ele foi como gente, amigo do peito e irmão não dá para contar. É uma saudade que primeiro traumatiza e depois fica machucando por muito e muito tempo. Saudade pessoal e intransferível, que a gente prefere levar para um canto e chorar escondido”.
Também era doloroso o comunicado que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, já então o poderoso vice-presidente de operações da TV Globo, enviou no dia do acidente à Divisão de Esportes, tão novata e com perda tão dura: “Nosso companheiro Júlio de Lamare era mais que esperança para todos nós que vivemos à caça de competência e talento! A contribuição profissional e humana de Júlio nos deu o rumo a seguir, mostrou o caminho a trilhar na Divisão de Esportes e sua linha de atuação servirá para formar outros profissionais que, obrigatoriamente, terão que nele se inspirar. Júlio ficará conosco. Será o modelo e meta”.
De certa forma, foi mesmo. Porque, se a memória de Júlio de Lamare ficou para o público no parque aquático que leva seu nome, também ficou nas palavras da viúva Myriam, para quem a cobertura da Globo em Munique-1972 fez com que o esporte passasse a ser atraente para anunciantes publicitários. Ficou para Luciano do Valle, que depôs a Alberto Léo: “A Globo tinha uma tradição de jornalismo, de novelas, de shows, não de esporte (...) Aquela Olimpíada foi um marco, porque a partir dali a Globo
percebeu que o esporte era importante, que as Olimpíadas eram importantíssimas. A Copa do Mundo já tinha aquela importância, por ser o país do futebol, mas que a Olimpíada foi especial, isso foi (...) Aquela transmissão foi um marco”.
Enfim, se houve um fruto do trabalho de Júlio de Lamare na televisão, entre 1970 e 1973, foi no otimismo com que a TV Globo começou a notar o esporte após aquela primeira cobertura ao vivo dos Jogos Olímpicos, em 1972.
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