(Vinheta de abertura das transmissões da TV Manchete para a cobertura dos Jogos Olímpicos de 1988)
Narração: Paulo Stein, Osmar Santos e Halmalo Silva
Comentários: João Saldanha (futebol), Wlamir Marques (basquete), Adhemar Ferreira da Silva (atletismo), Ricardo Prado (natação), Fernando Brochado (ginástica) e Ênio Figueiredo (vôlei)
Reportagens: Paulo César Andrade, Antônio Stockler, Florestan Fernandes Jr. e Eurico Tavares
Apresentação: Alberto Léo, Márcio Guedes, Mylena Ciribelli, Leila Richers e Ronaldo Rosas
Se a TV Manchete ainda era uma novata tentando provar que merecia audiência quando cobriu os Jogos Olímpicos de 1984 (principalmente a audiência das classes A e B, seu público-alvo), tal intenção já estava alcançada, quando chegou a hora de se preocupar com a segunda cobertura olímpica de sua história. A emissora carioca ganhara respeito naqueles primeiros anos de trajetória, por gastar o que fosse necessário para ter requinte em sua programação – e geralmente, conseguindo. O esporte, claro, tinha uma parcela desse mérito.
Na programação habitual, a Manchete tinha as duas edições diárias do noticioso Manchete Esportiva. Nos eventos transmitidos, a Manchete seguia impondo respeito. No futebol, fizera cobertura elogiada da Copa de 1986, e tinha exclusividade nas transmissões do Campeonato Carioca. No tênis, o acordo de patrocínio iniciado em 1986 com a Koch Tavares (empresa de marketing de dois ex-tenistas – como o nome indica, eram Thomaz Koch e Luiz Felipe Tavares) rendia os direitos de transmissão dos torneios de Grand Slam ao canal de Adolpho Bloch. Vôlei e basquete também tinham espaço periódico na grade da Manchete. Para o bola-ao-cesto, chegava-se a exibir o Campeonato Paulista; e os amistosos das seleções de vôlei (masculina e feminina) também eram transmitidos – como este Brasil x Coreia do Sul, amistoso de vôlei feminino pré-Jogos.
Assim, pagando as anuidades em dia à OTI, a Manchete estava preparada para transmitir os Jogos de Seul. Tanto em gastos, quanto em pessoal. Em gastos, investiu-se US$ 2,5 milhões pela emissora sediada no bairro carioca da Glória. Em pessoal, uma equipe de 38 nomes foi enviada à Coreia do Sul para as disputas, sob o comando do editor de esportes, João Areosa. E o coordenador dos trabalhos mantinha o entusiasmo de 1984. Em 28 de agosto de 1988, Nelson Hoineff, diretor de jornalismo da Manchete, apregoava ao Jornal do Brasil: “Das 22h30min até as 10 horas da manhã seguinte, nós ficaremos no ar direto. Sem interrupção, falando o tempo todo de Seul”. Tal empolgação justificava o slogan daquela cobertura: “Olimpíadas na Manchete – 400 horas no ar”.
Antes mesmo que as competições começassem, a Manchete já preparava o clima, com um boletim diário de cinco minutos: “Momento Olímpico” trazia pequenas reportagens com os atletas brasileiros que fariam parte da delegação nos Jogos. Paralelamente, pequenas vinhetas durante a programação mostravam as modalidades olímpicas, praticadas por Hodori (o tigre escolhido como mascote daqueles Jogos), numa contagem regressiva até o dia da cerimônia de abertura.
(O tigre Hodori, mascote dos Jogos Olímpicos de 1988, mostrando o hipismo como uma modalidade, em vinheta da TV Manchete. Postado no YouTube por Thiago Rocha)
Mas o principal chamariz de preparação da audiência da Manchete para a cobertura do que ocorreria em Seul não era inédito. Aliás, não era nem original do canal do Rio de Janeiro, e sim da TV Globo. O produtor e videomaker paulista José Antônio de Barros Freire, o Barrinhos, fizera fama no canal dos Marinho durante a Copa de 1986, ao interpretar Araken, personagem que simbolizava o torcedor da Seleção Brasileira – e gozava os adversários brasileiros naquele Mundial de futebol, em esquetes exibidos após as partidas em caso de vitória verde e amarela. O Brasil foi eliminado, a Copa de 1986 acabou, mas Araken marcou. E a Manchete o reabilitou: antes dos Jogos de 1988 – e mesmo durante eles -, Barrinhos voltou a interpretar Araken, junto das figurantes que faziam sua claque. Só o tom mudara levemente: ao invés de focar na torcida pelo Brasil, Araken agora era o atleta que praticava várias modalidades, como a esgrima – ou evocava lembranças da Coreia do Sul.
(Vinheta com o personagem Araken interpretando um atleta, subindo o prédio da sede da TV Manchete até “subir ao pódio” para concluir a escalada vitoriosa, divulgando a cobertura da emissora para os Jogos Olímpicos de 1988. Postado no YouTube por Êgon Bonfim)
Na hora da cobertura esportiva propriamente dita, a Manchete também tinha uma novidade egressa da TV Globo: Osmar Santos. A experiência do narrador paulista como o principal nome da emissora dos Marinho na transmissão dos jogos da Copa de 1986 fora controversa – para alguns, fracassada. Desgastado, Osmar deixou a Globo logo após aquele torneio. Em 1987, encontrou guarida televisiva na Manchete, e não só no esporte: passou a apresentar um programa semanal de auditório, o Osmar Santos Show, exibido nas noites de sexta-feira. Mas, óbvio, sua repercussão maior estava no esporte. No rádio paulista, Osmar já tinha seu o nome marcado na história (naquele 1988, chegara à Rádio Record, contratado a peso de ouro), o que mantinha seu nome vivo na televisão. E ele foi um dos três principais locutores da Manchete em Seul, narrando principalmente os jogos de futebol.
Porém, se antiguidade era posto, a voz principal do canal de Adolpho Bloch em Seul seria outra: Paulo Stein (1947-2021), que já era um dos símbolos das coberturas esportivas da Manchete. Para competições paralelas, o narrador seria o mineiro Halmalo Silva. E quando fosse necessário, Alberto Léo (1950-2016) também entraria na narração – além de seu papel principal, apresentando a edição diurna do noticioso Manchete Esportiva diretamente do IBC (International Broadcasting Center, o Centro Internacional de Transmissões) em Seul. Apresentando a edição noturna, estaria Márcio Guedes, que chegara à Manchete em 1985.
(Alberto Léo encerrando o bloco com notícias de Seul, dentro do “Jornal da Manchete”, antes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1988. Postado no YouTube por Êgon Bonfim)
Stein se lembrou dos preparativos para a viagem a Seul, falando a Alberto Léo para o livro “História do jornalismo esportivo na TV brasileira”: “Seul foi para nós uma olimpíada com muitas dificuldades, pois ninguém falava coreano. Antes da viagem, nos vacinamos contra a hepatite tipo B, uma doença erradicada no Brasil, mas o Comitê Olímpico Brasileiro ofereceu a vacina também para a imprensa – foram três doses, era uma por mês. Conseguimos na colônia coreana, em São Paulo, arranjar intérpretes. Tinha o André, e ele conseguiu mais dois amigos que estavam na Coreia, e eles estiveram conosco durante os Jogos. Eles foram importantíssimos na cobertura”.
Por último, mas nunca menos importante, um grande chamariz de audiência do canal: João Saldanha (1917-1990). Dono de inigualável carisma e grande experiência, o “João Sem Medo” iria para sua primeira e única cobertura olímpica in loco. Como ex-técnico da Seleção Brasileira – e um dos comentaristas mais ouvidos e respeitados do país, principalmente no Rio de Janeiro -, era claro que Saldanha teria como foco principal a participação do Brasil no torneio olímpico de futebol. Mas também seria nome certo na equipe da Manchete para a cerimônia de abertura no Estádio Olímpico de Seul, em 16 de setembro de 1988, apresentada pela dupla Paulo Stein-Osmar Santos – por sinal, um dos raros momentos em que narradores e comentaristas da Manchete trabalharam no local de competição, na capital sul-coreana.
Com João Saldanha comentando o futebol em Seul, a Manchete estava pronta para montar a segunda versão de sua “Equipe de Ouro” de comentaristas. Os nomes “dourados” foram os mesmos de 1984, em algumas modalidades: Adhemar Ferreira da Silva fez os comentários no atletismo, geralmente com Paulo Stein narrando, enquanto Wlamir Marques comentou as partidas de basquete (ora com Stein, ora com Osmar Santos como narradores). Nome que entrelaçou sua história com a da emissora nas coberturas de basquete, Wlamir se lembrou dos dias em Seul em depoimento a Alberto Léo: “Nós ficamos na Vila de Imprensa e num apartamento estávamos todos os comentaristas. As conversas com o Saldanha e o Adhemar são inesquecíveis”.
Em outras, chegavam novidades valiosas. Na natação, o comentarista da Manchete foi ninguém menos que Ricardo Prado, então já entronizado como um dos grandes nadadores brasileiros, ancorado na prata ganha nos 200m medley em Los Angeles e no amplo conhecimento que tinha das competições nas piscinas. Nas competições de ginástica (artística ou rítmica), estaria o professor fluminense Fernando Brochado, árbitro da modalidade nos Jogos de 1984. E no vôlei, integraria a “Equipe de Ouro” da Manchete mais um nome que estivera em competição quatro anos antes: coube ao carioca Ênio Figueiredo, técnico da seleção feminina em Los Angeles-1984, comentar a participação brasileira tanto no torneio masculino, como no feminino.
Se Alberto Léo e Márcio Guedes cuidavam das apresentações das notícias no IBC de Seul, os noticiários da Manchete também tinham nomes falando sobre o que vinha da Coreia do Sul. Titulares da apresentação do Jornal da Manchete naquela época, Ronaldo Rosas e Leila Richers introduziam o bloco sobre os Jogos no principal noticiário da emissora – e Ronaldo ainda foi o âncora na transmissão da cerimônia de abertura.
Mas seria outra âncora que ganharia espaço e fama a partir daquela cobertura olímpica da Manchete: Mylena Ciribelli. A apresentadora carioca nem era ligada ao esporte, até então: começara a carreira como locutora da Rádio Fluminense FM, e chegara à Manchete para apresentar o Shock, programa de videoclipes (algo até previsível: Mylena sempre gostou de música, e seu irmão, Márvio Ciribelli, é pianista profissional). Mas bastou aquela primeira experiência esportiva, nos estúdios da Manchete no Rio de Janeiro, para a jovem emplacar. Mylena apresentou tanto os boletins diários de cinco minutos com notícias olímpicas durante o dia – em duas edições, às 15h30 e às 18h de Brasília – quanto O melhor das Olimpíadas 88, programa que vinha às 10h30, logo depois da madrugada de competições, com os melhores momentos do dia olímpico.
De quebra, além dos repórteres ligados ao esporte, como Paulo Cesar Andrade e Antônio Stockler, a Manchete também incluiu entre os enviados gente mais ligada ao jornalismo geral. Estes começaram fazendo matérias ligadas ao ambiente social da Coreia do Sul – ambiente fervilhante, com protestos estudantis pedindo a união das duas Coreias (algo visto na matéria feita pelo repórter Eurico Tavares, em 16 de outubro de 1988, para o Jornal da Manchete).
No entanto, à medida que os Jogos Olímpicos prosseguiam, os repórteres da “editoria de geral” acabavam relatando também os momentos de emoção nas disputas. Foi o caso de outro símbolo da história da Manchete: Florestan Fernandes Júnior, também envolvido em matérias sobre o ambiente em Seul. Apresentador e repórter de vários noticiários do canal carioca, o jornalista paulista reportou para o Jornal da Manchete a empolgação de quem viu no ginásio a vitória por 3 sets a 2 da seleção brasileira de vôlei masculino sobre a União Soviética, que garantiu a classificação às semifinais do torneio olímpico.
A emoção também se viu em outros momentos, como na transmissão de Osmar Santos e João Saldanha para a antológica semifinal entre Brasil e Alemanha (Ocidental), pelo torneio olímpico de futebol – na disputa por pênaltis que levou o time brasileiro à decisão da medalha de ouro, Osmar esperou a cobrança de André Cruz incentivando o zagueiro usando uma de suas clássicas gírias: “Vamos lá, garotinho!”. E se viu no clipe de encerramento da cobertura olímpica da Manchete, com várias imagens dos enviados a Seul, na frente e por trás das câmeras.
De certa forma, aquela cobertura – e posteriormente, a da Copa de 1990 – marcaram o fim de uma era na história da TV Manchete no esporte. Em Barcelona-1992, os tempos de pompa e amplas coberturas já começaram a ser restringidos pelos problemas financeiros.
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