Narração: Milton Leite, João Palomino, Paulo Soares e Luís Roberto
Comentários: Casagrande (futebol), Maurício Jahu (vôlei), Wilson Baldini Jr. (boxe), Pedro de Toledo (atletismo)
Reportagens: Helvídio Mattos, Lia Benthien, André Kfouri e Pedro Bassan
Apresentação: Luís Alberto Volpe
Participação: Marcelo Tas
Na disputa pelo amplo espaço aberto para a televisão a cabo no Brasil – vista apenas pelos poucos que quisessem e pudessem assinar o serviço -, as Organizações Globo haviam começado com o advento dos canais da Globosat, a partir de outubro de 1991. Mas já tinham concorrência prévia: a ESPN norte-americana chegara ao Brasil em 1989, via cabo; a MTV brasileira começara suas operações em outubro de 1990... e finalmente, em 15 de setembro de 1991, o Grupo Abril decidiu encampar a iniciativa mais ambiciosa, dentro de seu velho objetivo de também ter êxito em televisão: lançou a TVA, operadora de televisão a cabo, em sociedade com o empresário Matias Machline. Seus assinantes tinham direito a cinco canais, vindos dos Estados Unidos: Showtime (na operadora, TVA Filmes), CNN (TVA Noticias), TNT (TVA Clássicos), The Superstation (TVA Super)... e ESPN (TVA Esportes), só acessível para quem tinha antenas UHF nos televisores.
Foi assim, até 1994. No caso da TVA Esportes, o Grupo Abril decidiu que, além da exibição do conteúdo que vinha da ESPN internacional (a matriz norte-americana), precisava de uma cor local ao seu trabalho. Bastou para que vários profissionais brasileiros fossem contratados, para trabalharem nos estúdios no bairro do Sumaré, em São Paulo. Todos, sob o comando de quatro nomes: o chefe de reportagem Michel Laurence (1938-2014), o diretor de operações Laércio Roma, o diretor de redação Júlio Bartolo... e José Trajano, que seria diretor de jornalismo da TVA Esportes – e para o canal levaria muita gente que já fazia parte da equipe de esportes comandada por ele na TV Cultura paulista, no começo daquela década de 1990, como o apresentador Luís Alberto Volpe (1952-2020) e os repórteres Lia Benthien e Helvídio Mattos. A TVA Esportes começou a mostrar força a partir de 1994: no futebol, por exemplo, exibia o Campeonato Brasileiro - ainda que com uma hora de atraso em relação à Globosat - e a Liga dos Campeões da Europa, com narrações em português feitas do Brasil.
Alguns nomes que até hoje trabalham na ESPN já estavam nesses trabalhos iniciais: o narrador Paulo Soares, já experimentado no rádio paulista (o “Amigão” acumulava à televisão o trabalho na Rádio Globo), o comentarista Antero Greco (então na editoria de esportes do jornal Diário Popular, após passagem longa pel’O Estado de S. Paulo), o repórter – depois comentarista – Paulo Calçade (egresso da sucursal paulista do Jornal do Brasil), o apresentador e repórter André Kfouri (vindo da Rádio Jovem Pan logo no começo de 1995). Outros nomes tinham a primeira experiência de vulto: mesmo já tendo uma passagem como narrador na rádio Eldorado paulista, Nivaldo Prieto estreava como locutor esportivo no canal da TVA. Outro locutor, Luís Roberto, também trabalhando na Rádio Globo paulista, já apresentava por aquela época O Melhor da ESPN, uma produção independente de 15 minutos com conteúdo da matriz, encaixada na faixa esportiva vespertina da TV Bandeirantes – graças a essa produção, Luís foi convidado por José Trajano para também fazer parte da emissora, em 1995, como mais um locutor.
Mas tudo aquilo ainda era algo relativamente incipiente. Deixaria de ser, a partir de 17 de junho de 1995: nesse dia, graças a uma parceria entre o Grupo Abril e a ESPN norte-americana, a TVA Esportes foi refundada e rebatizada ESPN Brasil. O canal “novo-velho” poderia até ter pouca estrutura. Porém, aos poucos, mais pessoas chegavam a ele. Como o narrador Milton Leite, vindo ainda em 1995, a princípio acumulando os trabalhos com o Jornal da Manhã que apresentava na Rádio Jovem Pan paulista – e com uma experiência prévia narrando para televisão, na fugaz experiência da TV Jovem Pan, que exibiu o Campeonato Paulista de futebol em 1991. Ou João Palomino, trazido em 1996 como repórter para a emissora, outro que também prestava serviços em mais um lugar (se trabalhava com esporte na ESPN Brasil, Palomino era repórter da editoria geral na TV Cultura paulista). Ou mesmo Pedro Bassan, repórter com passagem pela Rádio Bandeirantes. Mesmo assim, a princípio, a subsidiária brasileira da ESPN nem exibiria os Jogos Olímpicos de 1996. O que não significava ficar completamente de fora deles, como José Trajano adiantava na Folha de S. Paulo de 25 de fevereiro de 1996: “Mandaremos uma equipe para fazer noticiário e reportagens especiais”.
E de tanto se esforçar, a emissora de esportes da TVA conseguiu antecipar seu sonho: já em 1996, exibiria as disputas em Atlanta. Novamente para a Folha de S. Paulo, mas em 7 de julho de 1996, a menos de duas semanas da cerimônia de abertura, José Trajano exultava: “Gostaria muito de ir, mas vou ficar segurando a peteca por aqui. Minha alegria é ver o pessoal embarcar. Há um ano, quando o canal foi lançado, nem imaginava”.
Inicialmente, a ESPN Brasil ficaria de fora das Olimpíadas de 1996. Mas o esforço foi tanto que a emissora recém-fundada já teve equipe em Atlanta, para a alegria de José Trajano (foto) (Marcelo Soubhia/Folhapress)
A equipe era pequena, e os investimentos, também: somente 11 pessoas representariam a ESPN Brasil no centro de imprensa das Olimpíadas, e só R$ 1 milhão foi gasto naquela cobertura. Basta dizer que os enviados nem teriam credencial para poderem entrar nos ambientes de competição, ou mesmo na Vila Olímpica. Quem lembrou tal dificuldade, em depoimento exclusivo a este Surto Olímpico, foi um nome que esteve em Atlanta pela ESPN: André Kfouri. “Fomos para fazer uma cobertura meio kamikaze, sem entrar nos locais de competição e nas zonas de entrevistas oficiais. Isso deixou de ser possível no mundo pós-11 de setembro, mas estamos falando de 1996. Você podia ir caminhando até a entrada da Vila Olímpica onde estava a delegação brasileira e ficar do outro lado da rua, e ninguém te incomodava. Então a gente ficava ali, na calçada, de 8 da manhã até 10h30, 11h da noite, todos os dias”.
Mas o planejamento já daria espaço generoso aos Jogos na programação. Principal noticiário do canal então, o 30 Minutos (espécie de “versão brasileira” do Sportscenter, que logo o substituiria) teria dois blocos especiais com as notícias das competições em Atlanta – apresentado dos estúdios em Atlanta por Luís Alberto Volpe. Além daquele, mais um outro noticiário resumiria o dia quando as competições terminassem, no fim de noite brasileiro: era o Jornal de Atlanta.
Como outro programete, um quadro humorístico que ganhava destaque na ESPN brasileira teria sua versão em Atlanta: já então reconhecido como um “multi-homem” de mídia, bastante entendido de televisão, Marcelo Tas aparecia nos intervalos da programação da emissora, caracterizado como um professor, que ensinava regras e lances do futebol aos telespectadores. Era o “Professor Planeta” (algo semelhante ao “Professor Tibúrcio” que Tas interpretara no Rá-Tim-Bum da TV Cultura, no começo da década), que tinha lá sua graça, e faria do ator/produtor Marcelo mais um dos enviados da ESPN Brasil a Atlanta, tanto para gravar os esquetes do Professor Planeta quanto para fazer reportagens sobre coisas menos vistas no ambiente da cidade-sede olímpica – como Tas já fazia nas transmissões do canal para os campeonatos nacionais de futebol. Tais reportagens estariam num boletim, também exibido no intervalo das competições: o Por Fora das Olimpíadas.
Na hora das disputas propriamente ditas, quatro narradores seriam enviados pela ESPN aos Jogos. Milton Leite seria a voz principal das disputas de destaque envolvendo brasileiros (com ênfase no futebol, masculino e feminino, e no vôlei), enquanto João Palomino e Luís Roberto se alternariam nas disputas do vôlei (na quadra e na praia), com Paulo Soares dando voz às transmissões de ainda mais modalidades.
(O ponto que deu ao Brasil a medalha de bronze, nos 3 sets a 2 contra a Rússia, pelo torneio de vôlei feminino, nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da ESPN Brasil, com a narração de Milton Leite e os comentários de Mauricio Jahu. Postado no YouTube por Robson Ferrera)
Dos estúdios em São Paulo, fariam os comentários vários convidados do canal para aquela cobertura. Como Mauricio Jahu, no vôlei: com passagem pela Seleção Brasileira como jogador nos anos 1980, Jahu iniciava ali a longa permanência na ESPN Brasil – não só como comentarista, mas como apresentador também. Outro convidado era o jornalista Wilson Baldini Júnior, falando sobre boxe, esporte sobre o qual mantinha então coluna na Folha de S. Paulo. Um deles tinha experiência valiosa em Jogos Olímpicos: Pedro de Toledo, o Pedrão, experiente técnico de atletismo – era o parceiro de João do Pulo em seus anos áureos, incluindo o bronze no salto triplo em Moscou-1980 -, faria os comentários das provas que ocorressem no Centennial Olympic Stadium.
Outro nunca jogara o torneio olímpico de futebol masculino, e só tivera experiência em televisão participando do Copa na Mesa, debate informal que a MTV fez sobre as partidas da Seleção Brasileira na Copa de 1994: Casagrande. Ele estreou pela ESPN Brasil comentando o que ocorresse nos gramados durante os Jogos, e foi elogiado pela simplicidade e pelos comentários resumidos, iniciando para valer a carreira de comentarista.
Outro programa importante na cobertura da ESPN Brasil seria o Repórter Olímpico, que traria entrevistas com quem estivesse sendo protagonista naqueles Jogos – ainda mais se fosse brasileiro. Helvídio Mattos e André Kfouri se alternavam nele. E a experiência valeu demais para André, fazendo ali sua primeira grande cobertura na carreira, aos 23 anos: “Eu não entrei em nenhum local de competição para trabalhar, mas falei com todas as pessoas cujas entrevistas eram relevantes durante os Jogos. E isso aconteceu exclusivamente porque havia essa facilidade de acesso, hoje inimaginável, e pela compreensão de quem atravessou a rua para falar. Foram dias longuíssimos que passamos quase que inteiramente na calçada diante da entrada da Vila, aguardando os atletas passarem. Mas a cada entrevista gravada, a sensação de que valia a pena era evidente”.
E se André Kfouri fazia as entrevistas mesmo sem credencial, era porque outro enviado da ESPN Brasil a Atlanta lhe ajudava só por lá estar – o jornalista Roberto Salim, experiente produtor, conhecedor do esporte brasileiro e símbolo do canal por trás das câmeras enquanto trabalhou lá. André reconheceu: “Não posso deixar de dizer que só deu certo porque o Roberto Salim, que me ensinou muito do pouco que eu sei sobre esse trabalho, estava ali conosco. Ele conhecia pessoalmente todo mundo que era importante. Os atletas vinham por causa dele”.
Por sinal, foi nesse sistema (esperar sem credencial na entrada da Vila Olímpica/chamar o atleta brasileiro/ele aceitar falar à ESPN Brasil) que André Kfouri conheceu, em Atlanta, um esportista brasileiro com quem criou amizade: “Os limites da Vila Olímpica ali naquele lugar eram cercas, não muros, de modo que dava para ver as pessoas lá dentro. Quando os atletas brasileiros voltavam das competições, eles passavam por ali e a gente chamava, pedindo entrevistas. Eles tinham de sair da Vila e atravessar a rua. Muitos atletas e técnicos nos atenderam diversas vezes, alguns nunca quiseram vir. O Fernando veio todas as vezes que eu chamei, e ali ficamos amigos”. Que Fernando? Fernando Meligeni: quarto colocado no torneio masculino de tênis dos Jogos, “Fininho” falou várias vezes a André para o Repórter Olímpico e demais programas da ESPN Brasil naquela cobertura. A cumplicidade jornalista-esportista criada entre os dois em Atlanta foi tamanha que, anos depois, carreira nas quadras já encerrada, Meligeni fez questão de ter André como parceiro em seu livro de memórias, “Aqui tem!” (Ediouro, 2008).
Na hora das transmissões, sem outro canal à disposição (a ESPN Internacional só exibia material da matriz em Bristol, Connecticut, com narração em português feita de lá), a ESPN Brasil teve de escolher prioridades, como José Trajano adiantou à Folha de S. Paulo: “Vamos dar preferência para os jogos do Brasil. Se outra competição de interesse estiver acontecendo ao mesmo tempo, pegamos pelo outro sinal de satélite, gravamos e exibimos depois”. Assim, as campanhas brasileiras no futebol, vôlei e basquete – masculinos e femininos – eram mostradas pela emissora. De quebra, o trabalho acabava sendo visto de passagem na televisão aberta: sem os direitos de transmissão dos Jogos, a TV Cultura paulista pegava os melhores momentos das competições, com ênfase no futebol, e os exibia para ilustrar os momentos esportivos em seus telejornais durante os dias olímpicos em Atlanta, e também o momento em que se falasse de Olimpíadas no Cartão Verde, debate comandado pelo trio Flávio Prado-Juca Kfouri-José Trajano.
(Melhores momentos de Japão 1x0 Brasil, pelo torneio de futebol masculino, nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da ESPN Brasil, com a narração de Milton Leite, exibidos num programa da TV Cultura durante os Jogos)
O trabalho dos narradores era elogiado – em sua coluna na Folha de S. Paulo, Matinas Suzuki Jr. trouxe boas palavras sobre as locuções de Milton Leite (em 25 de julho de 1996, mencionando o trabalho do paulistano nos jogos da Argentina no futebol masculino) e Paulo Soares (em 27 de julho). Mesmo sem menção, e predominantemente repórter naquela cobertura, João Palomino também já foi experimentado como narrador. E tirou a sorte grande: foi do paulista de Fernandópolis a narração para o ouro de Jacqueline e Sandra, no vôlei de praia feminino.
(O final da vitória da dupla Jacqueline/Sandra sobre Mônica/Adriana, na decisão do torneio feminino de vôlei de praia, nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da ESPN Brasil, com a narração de João Palomino, em programa do canal antes dos Jogos Olímpicos de 2016. Postado no YouTube por Gabriel Araújo)
E a ESPN Brasil concluiu aquela cobertura deixando claro: talvez não tivesse tantas condições financeiras quanto o concorrente SporTV. Mas tentaria fazer frente a ele na carga e na qualidade de trabalho de sua equipe. Muitas vezes, conseguiria. E Sydney-2000 seria a prova disso.
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