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Jogos Olímpicos na Televisão Brasileira - Barcelona 1992, Globo




(Vinheta de abertura das transmissões da TV Globo para a cobertura dos Jogos Olímpicos de 1992. Postado no YouTube por Wellington Lima)



Narração: Luiz Alfredo, Cléber Machado, Ciro José e Oliveira Andrade
Comentários: Bebeto de Freitas (vôlei), Ary Vidal (basquete) e Rômulo Arantes (natação)
Reportagens: Luiz Fernando Lima, Fátima Bernardes, Roberto Cabrini, Marcos Uchôa, Pedro Bial, Maria Cristina Poli e Geraldo Canalli
Apresentação: Fernando Vannucci, Valéria Monteiro e Fátima Bernardes
Participação: Juca Kfouri


Nos preparativos para os Jogos Olímpicos de Barcelona, a TV Globo faria o que era de praxe: tentaria manter sua superioridade habitual de audiência, teria muitos repórteres, muitos narradores, daria destaque maior à transmissão dos esportes coletivos (exibindo em flashes as finais dos esportes individuais). Muitos nomes já eram caras conhecidas na emissora do Jardim Botânico carioca. Entretanto, a cobertura global nos Jogos Olímpicos de 1992 ficaria sem seu grande símbolo esportivo nos anos anteriores – e até hoje. Ainda hoje parece estranho, mas sempre vale lembrar: Galvão Bueno estava fora da Globo durante aqueles Jogos.


Entre Seul-1988 e aquele ano de 1992, Galvão se consolidara como um locutor de ponta na televisão brasileira. Era a voz da Globo para o esporte – no futebol, com os jogos da Seleção Brasileira nas Copas Américas (1989 e 1991) e na Copa de 1990; no vôlei, com as narrações no Mundial de 1990; e principalmente na Fórmula 1, com os três títulos mundiais de Ayrton Senna (1988, 1990 e 1991). Mas não era aquele seu único papel: com dois colegas de TV Globo, o diretor de operações Fernando Guimarães e o diretor de eventos Alfredo Taunay, Galvão mantinha uma produtora de eventos esportivos para a televisão, a PGB. De mais a mais, em meio a desentendimento rápido, mas profundo com o comentarista Reginaldo Leme, seu parceiro histórico nas transmissões da Fórmula 1, o narrador chegara até a negociar com a TV Manchete, no fim de 1990. Acabou ficando na Globo. Por enquanto.


Porque, no começo de 1992, a PGB recebeu uma proposta da Rede OM, emissora de propriedade dos irmãos José Carlos (1948-2003) e Flávio Martinez, que estava sendo aberta no Paraná. Feita pelo diretor geral da Rede OM, Eduardo Lafon (1946-2000), grande amigo de Galvão, a proposta previa apenas que a PGB produzisse conteúdo esportivo na emissora, num programa dominical. Todavia, chamado para conversas, Galvão se interessou em entrar de cabeça numa sociedade com os irmãos Martinez. E por motivos como a vontade de ficar mais perto da família, o locutor carioca tomou a decisão que chamou a atenção: em março de 1992, decidiu deixar para trás onze anos de TV Globo, apostando na parceria esportiva PGB-Rede OM, na qual seria narrador e diretor de esportes. A saída era amigável, como Galvão comentou ao Jornal do Brasil em 20 de março de 1992: “Há dois anos já vinha pensando em tomar outro rumo. Não tenho mágoas, não briguei com ninguém. Devo à Globo tudo o que conquistei (...) Em todos esses anos, acho que houve uma troca justa. Dei à emissora tanto quanto ela me deu”. E lá se foi ele, com projeto ambicioso, que ia da exclusividade na transmissão de torneios de futebol (Copa Libertadores da América, Copa do Brasil) à reabilitação do telecatch televisivo (“Gigantes do Ringue”), passando por um programa que exibia várias modalidades, o Multi Esporte, e uma mesa redonda dominical, o Show de Bola.


Sem Galvão, a Globo já começou os preparativos para os Jogos naquele primeiro semestre. Primeiramente, exibiu vários torneios pré-olímpicos. No futebol, a fracassada campanha do Brasil na qualificação sul-americana para o torneio em Barcelona foi transmitida – com Oliveira Andrade como locutor, direto do Paraguai (sede do pré-olímpico de futebol), e Raul Plassmann como comentarista, dos estúdios no Rio de Janeiro. Os torneios classificatórios de basquete tiveram espaço ainda maior na programação global. No bola-ao-cesto masculino, as partidas do Pré-Olímpico de Portland, nos Estados Unidos, serviram para dar um sinal do que faria o Dream Team norte-americano – Cléber Machado foi a voz daquelas partidas no canal, com Reginaldo Leme nas reportagens. Pois é: afastado temporariamente da Fórmula 1 em 1992 após a rápida briga com Galvão Bueno, Reginaldo foi deslocado para Portland. Justamente no meio daquela cobertura, uma entrevista com Nélson Piquet (exibida no Fantástico, após grave acidente do piloto brasileiro, nos treinos para as 500 Milhas de Indianápolis) fez sucesso, e Reginaldo foi reintegrado à cobertura da Fórmula 1. Já no basquete feminino, a Globo mostrou o pré-olímpico mundial – disputado em Vigo, na Espanha -, no qual a geração de Paula e Hortência enfim conseguiu uma vaga no torneio olímpico, em vitória sobre a Itália, mostrada pelo canal dos Marinho em 6 de junho de 1992, com a narração de Luiz Alfredo.


Em meio à exibição dos torneios pré-olímpicos, a Globo turbinou sua cobertura para Barcelona-1992 a partir de março daquele ano. Nesse mês – mais precisamente, a partir do dia 3 -, a emissora carioca começou a reutilizar um chamariz de audiência já usado em Seul-1988: era a volta do Momento Olímpico. Exibido nos intervalos da programação, o programete de um minuto repetia a fórmula de quatro anos atrás, falando tanto sobre grandes nomes da história olímpica - como em 27 de junho, quando o tema foi o nadador Jim Thorpe - quanto sobre candidatos a destaque em Barcelona. A locução do Momento Olímpico variava: podia ser tanto de Fernando Vannucci (1951-2020), quanto de Fátima Bernardes (vivendo sua primeira experiência relacionada ao esporte na carreira), quanto de uma recém-chegada à TV Globo: Mylena Ciribelli, vinda da TV Manchete em 1991.


(Momento Olímpico exibido pela TV Globo em 29 de abril de 1992, com locução de Fernando Vannucci, sobre a nadadora Silvia Poll, descendente de alemães que representava a Costa Rica. Postado no YouTube por Êgon Bonfim)


Em abril, outra medida da Globo servia para esquentar a preparação rumo aos Jogos. Nome conhecido da editoria geral, o repórter gaúcho Geraldo Canalli foi enviado a Barcelona, para já fazer reportagens sobre a preparação da cidade espanhola para sediar os Jogos – e como, de certa forma, o evento estava revolucionando a vida da capital da Catalunha, com todas as obras nela feitas. Por fim, veio a escolha dos 60 enviados da emissora da família Marinho aos trabalhos em Barcelona, sob a chefia de Ciro José (novamente diretor de esportes da Globo, desde 1991) e Carlos Henrique Schroder (então diretor de operações da Central Globo de Jornalismo). Outros nomes veteranos teriam também status de comando nos trabalhos no centro de imprensa, como Hedyl Valle Júnior (1948-1993) e Luizinho Nascimento, jornalistas originados na editoria de esportes, ambos então comandando o Fantástico. E o investimento já seria mais ousado do que fora em Seul-1988: além de montar um estúdio no centro de imprensa em Barcelona, a Globo voltaria a ter um satélite exclusivo para enviar imagens ao Brasil e fazer flashes de momentos importantes dos Jogos, a qualquer hora, dentro de sua programação. Ciro José comemorou isso, ao Jornal do Brasil de 25 de julho de 1992: “Teremos a liberdade de mostrar o esporte que quisermos sem precisar combinar com as outras emissoras que integram o pool [Bandeirantes, Manchete e SBT]”. Outra novidade tecnológica nos trabalhos da Globo naqueles Jogos Olímpicos seria um equipamento, originado da Bélgica, que gerava imagens imediatas em câmera lenta.


A maior expectativa estava, claro, nos locutores globais: quem teria a responsabilidade de ser a principal voz do canal nos Jogos, já que Galvão Bueno não estava lá? Até aquele momento, as coisas estavam divididas na função. Oliveira Andrade era quase privativo das transmissões de futebol, sendo o nome a acompanhar as partidas da Seleção Brasileira e as fases decisivas do Campeonato Brasileiro naquele meio de ano. De volta à Globo no fim de 1990, após narrar pelo SBT a Seleção Brasileira de futebol na Copa América de 1989, nas Eliminatórias e na Copa do Mundo, Luiz Alfredo trazia a experiência olímpica que outros não tinham: afinal, o filho de Geraldo José de Almeida dera voz na Globo a algumas disputas em Los Angeles-1984 e Seul-1988. Além de diretor de esportes, Ciro José também poderia contribuir como locutor, coisa que fizera nas coberturas do canal em Moscou-1980 e Seul-1988. Na Globo desde 1988 – mais precisamente na TV Globo Vale do Paraíba, retransmissora global na região paulista do Vale do Paraíba -, narrador lá desde 1989, Cléber Machado recebera uma grande chance: já com a experiência de terceiro narrador na hierarquia global para a Copa de 1990, Cléber fora designado para a locução das provas do Campeonato Mundial de Fórmula 1, após a saída de Galvão Bueno.


Mas a aposta em Cléber deu errado. Num 1992 em que Ayrton Senna, de McLaren, não teve forças para sequer tentar desafiar a superioridade da Williams do campeão Nigel Mansell, o narrador paulistano foi muito criticado. Em depoimento ao jornalista Bob Faria, para o livro “Grito de Gol”, Cléber reconheceu: “Com a saída do Galvão Bueno, ‘quem vai fazer, quem não vai fazer’... aí comecei a fazer a Fórmula 1 e, talvez, eu não estivesse pronto naquele momento, para fazer daquele jeito. Houve uma natural comparação, e nessa comparação, claro que eu perdi”. E antes do Grande Prêmio do Canadá, Cléber perdeu o posto de narrador da Fórmula 1 na Globo para Luiz Alfredo. Porém, mesmo “recuado” para apresentador da edição paulista do Globo Esporte, Cléber teve outra chance, narrando o supracitado Pré-Olímpico de basquete masculino em Portland. Aproveitou bem o momento em que deu voz às primeiras exibições do Dream Team dos Estados Unidos (“Um evento espetacular”, Cléber se lembrou a Bob Faria). E foi escolhido como um dos três narradores que foram a Barcelona, junto de Ciro José e Luiz Alfredo, com Luiz escolhido por fim como a principal voz da Globo naqueles Jogos Olímpicos. Oliveira Andrade ficou no Brasil, narrando apenas algumas competições olímpicas.


Narradores escolhidos (repitam-se: Luiz Alfredo, Ciro José e Cléber Machado), a Globo podia partir para a escolha dos outros integrantes da equipe naquela cobertura. E vieram nomes de calibre muito grosso para os comentários nas modalidades que mais mereciam aposta da emissora. Nos torneios de vôlei masculino e feminino, em regra narrados por Luiz Alfredo, o comentarista dispensava apresentações: Bebeto de Freitas (1950-2018), treinador da equipe do Brasil em Los Angeles-1984 e Seul-1988, treinador no Mundial de 1990, conhecedor da geração que jogaria em Barcelona como a palma da mão. Para os jogos do basquete masculino (e os do feminino também), com narração de Ciro José, a Globo teria outro nome vindo das quadras olímpicas para a cabine: técnico do time masculino do Brasil em Seul-1988, o carioca Ary Vidal (1935-2013) seria o comentarista global das partidas – e das esperadas atuações da equipe dos Estados Unidos, de Michael Jordan a “Magic” Johnson - no ginásio do Palau Municipal d’Esports, em Badalona.


A única “exceção” nem era tão neófita assim: se já tinha se tornado ator – interpretava então o personagem Otávio, em Perigosas Peruas, a novela das 19h da Globo naquela época -, Rômulo Arantes (1957-2000) tinha histórico respeitável como nadador. Rômulo participara de três Jogos Olímpicos (Munique-1972, Montreal-1976 e Moscou-1980), conquistara cinco medalhas em Pan-Americanos (duas na Cidade do México-1975, três em San Juan-1979), e uma medalha de bronze no Mundial de Natação em 1978. E coube a Rômulo comentar algumas finais da natação, dos estúdios no bairro carioca do Jardim Botânico. Por fim, aquela seria a primeira cobertura olímpica in loco de um nome já experiente então: mesmo sem comentar nenhuma disputa na emissora, Juca Kfouri foi um dos enviados da Globo a Barcelona. Da cidade-sede, Juca gravava no centro de imprensa seu comentário diário para o Jornal da Globo sobre o que ocorria, como fazia desde 1988 – como aqui, em 10 de agosto de 1992, um dia depois da cerimônia de encerramento, quando fez um balanço dos Jogos.

Outra vez, os repórteres seriam decisivos na cobertura olímpica para a Globo. Haveria nomes mais acostumados ao esporte nas reportagens das disputas – e também para os noticiários (os esportivos Globo Esporte e Esporte Espetacular, além de Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal do Globo): Luiz Fernando Lima seguiria mais o vôlei, Roberto Cabrini (na Globo desde o começo daquele 1992, com ênfase na cobertura da Fórmula 1) estaria mais nas competições de atletismo no Estádio Olímpico, Marcos Uchôa acompanharia o basquete. Descrevendo o ambiente fervilhante em Barcelona, cidade-sede que viveu os Jogos como poucas, além de Geraldo Canalli, outros dois repórteres da editoria geral da Globo: os paulistas Ernesto Paglia e Maria Cristina Poli. Mas os nomes do reportariado da emissora que mais chamavam a atenção eram outros dois, ambos vivendo suas primeiras experiências em grandes eventos esportivos: Pedro Bial e Fátima Bernardes. Falando em 2007 ao Memória Globo, projeto de memória que a emissora mantém, a jornalista e apresentadora carioca reconheceu: “Eu não era do esporte, então fiquei muito surpresa”. Já Pedro – esportista, e irmão de esportistas, como o técnico de basquete Alberto Bial - exultou, depondo ao Memória Globo em 2001: “Eu estava realizando um sonho de criança. Queria ter chegado como atleta, mas não consegui chegar. E vi muito o Dream Team jogar. Logo eu, que sou apaixonado por basquete”.

Também teria importância a bancada dentro do estúdio global no centro de imprensa em Barcelona. De lá, uma dupla se destacaria, comandando os blocos de notícias olímpicas dentro do Jornal Hoje e do Jornal Nacional: a mineira Valéria Monteiro, um dos nomes mais falados do jornalismo global da época, e Fernando Vannucci. Na apresentação do Esporte Espetacular (que, exibido então nas tardes de sábado, também teria dentro dele disputas olímpicas ao vivo), Léo Batista e Mylena Ciribelli falariam dos estúdios no Rio de Janeiro, com Fátima Bernardes e Fernando Vannucci dando as notícias olímpicas de Barcelona. Mesmo sem narrar competições, Vannucci acabou também ganhando status de narrador, como uma das caras do esporte no canal. Tanto que coube a ele e a Fátima apresentarem a cerimônia de abertura no Estádio Olímpico Lluis Companys, no bairro de Montjuich, em 25 de julho de 1992 – aqui, na íntegra.


Começava ali uma cobertura da qual todos os integrantes se lembram com muito carinho. A começar pela própria reportagem dentro do Jornal Nacional de 25 de julho, sobre a cerimônia de abertura, somente uma hora depois do final dela: pelo menos seis pessoas dentro do escritório da Globo no centro de imprensa trabalharam freneticamente, digitando os textos curtos sobre o compacto da cerimônia, lidos praticamente ao vivo por Fernando Vannucci no JN. Falando ao Memória Globo, Marcos Uchôa (um dos que digitou os textos) comemorou: “A gente escreveu, e o Vannucci leu ao vivo. Ficou perfeito, parecia gravado”. Uchôa teria pelo menos outros dois trabalhos a comemorar naqueles Jogos, ambos relacionados ao basquete – mais precisamente, ao Dream Team.

O primeiro foi ao ar na mesma edição do JN: uma matéria exclusiva, focando o primeiro treino dos jogadores norte-americanos em Barcelona. Mais um caso de “azar que virou sorte”, segundo Uchôa se recordou em 2001, ao Memória Globo: “A gente foi fazer um treino de basquete dos brasileiros, chegamos atrasados, e a gente viu que tinha um zum-zum-zum, com sirenes, meio longe, um pouco antes da gente chegar. (...) Começaram a fechar as portas, a gente [Uchôa e o cinegrafista Daniel Andrade] estava lá dentro. (...) A gente fez sozinho, entrevistamos o pessoal. Foi ótimo. Sabe quando dá tudo certo?”. Daniel Andrade também se recordou da sorte grande que a dupla da Globo teve: “Chamei o Uchôa num canto e falei ‘Uchôa, você ‘tá entendendo o que ‘tá acontecendo?’. Ele me respondeu: ‘Não, cara. Eles estão achando que a gente ou é da NBA, ou é da televisão americana... alguma coisa está errada nessa história’”. Pelo menos para a Globo, deu tudo certo, ao focar as imagens de Michael Jordan, “Magic” Johnson, Charles Barkley, Scottie Pippen... e Karl Malone, que até deu declarações à matéria.

Na sua outra reportagem que fez sucesso naquela cobertura, Marcos Uchôa contou com o auxílio de Pedro Bial. Ambos foram destacados para cobrir o 127 a 83 do Dream Team sobre o Brasil de Oscar, Marcel, Pipoka e cia., na primeira fase do torneio olímpico de basquete masculino – narrado por Ciro José e comentado por Ary Vidal na transmissão da Globo, na tarde brasileira de 31 de julho de 1992. O pedido: um trabalho de foco diferente sobre a previsível vitória norte-americana. Bial e Uchôa foram para o ginásio de Badalona pensando o que fazer (“Porque não é um jogo, né, é um massacre, então a gente tem que levar isso de uma outra maneira”, divertiu-se Uchôa – também participante da transmissão ao vivo - ao Memória Globo). Decidiram: fariam as matérias como se fosse um jogral, ambos alternando falas como se fossem espectadores – Uchôa como um torcedor da seleção brasileira, Bial como se fosse apenas um apreciador dos ases norte-americanos do bola-ao-cesto que encantavam o mundo naqueles Jogos. Voltaram ao centro de imprensa, e editaram a matéria que fechou o Jornal Nacional de 31 de julho. Uchôa comemorou: “Eu me lembro do nervosismo do [Carlos Henrique] Schroder e do Alberico [Souza Cruz, diretor de jornalismo da Globo]. O Schroder entrou na ilha de edição e falou ‘Você ‘tá maluco? Isso é Jornal Nacional!’. Eu falei: ‘Deixa, que ‘tá bom’. E o Schroder foi legal, porque ele bancou a gente, que ia ficar legal. E a matéria ficou sensacional, ficou diferente. O formato não era usual. Todo mundo aplaudiu. A gente ficou aliviado, eu e o Bial, porque se ninguém gostasse, teríamos um problema”.


Se Marcos Uchôa teve sorte, Fátima Bernardes teve ainda mais. Tudo começou na final dos 100m do nado livre, na natação masculina – com Gustavo Borges como o grande candidato a medalha para o Brasil. Fátima estava no Parque Aquático Bernat Picornell, para a reportagem que iria ao ar no Jornal Nacional de 28 de julho de 1992. A Globo exibiu a prova num flash ao vivo, no decorrer da programação, com Ciro José narrando. Prova encerrada, ouro para o russo Alexander Popov... e nada de Gustavo Borges aparecer no placar. E quando apareceu, foi em oitavo lugar. A tensão foi grande, e Fátima começou a estruturar a matéria sobre isso: a tristeza da torcida brasileira – a câmera global pegou uma irmã de Gustavo chorando na arquibancada – e a tensão do nadador paulista – ouvindo um jornalista que pedia “vamos conversar”, Gustavo negou ríspido: “não, não vamos”. Junto a Fátima, o cinegrafista Cléber Schettini filmava o brasileiro, sentado, chorando pela decepção aparente. Aí... bem, aí quem contou foi a própria, ao Memória Globo: “A gente faz uma imagem dele, do alto, na piscina de testes, abaixado, chorando. Nisso, eu vejo o presidente da confederação de natação [Coaracy Nunes, já então presidente da CBDA] vir correndo, e eu vou correndo em direção a ele, e a gente vai correndo junto, e ele vai dizendo ‘você é prata, você é prata’”. Pois é: Coaracy Nunes pedira a revisão do vídeo da prova aos juízes, estes notaram que Gustavo fora um dos primeiros a chegar, e o nadador conseguiu a medalha de prata. Para completar, Gustavo foi saudado pelos familiares e amigos, na saída do Bernat Picornell. E tudo isso estava na matéria de Fátima Bernardes para o Jornal Nacional. Outra lembrança saudosa de Fátima ao Memória Globo: “A virada, a família dele... eu peguei tudo que tinha que pegar ali. Foi melhor do que se tivesse aparecido no placar [diretamente] a medalha de prata”.


Dias depois, mais precisamente em 1º de agosto de 1992, num sábado, um grande momento brasileiro nos Jogos de Barcelona. E mais uma situação fortuita em que Fátima Bernardes conseguiu se destacar. Tudo começou quando o produtor Emanuel Mello Castro, presente na cobertura em Barcelona, notou que o brasileiro Rogério Sampaio estava avançando além do previsto no torneio olímpico de judô, na categoria para 65kg. Na redação da Globo dentro do centro de imprensa, Emanuel comentou com o chefe Hedyl Valle Jr.: Sampaio estava bem nas lutas no Palau Blaugrana, havia uma leve chance de sair medalha, e não havia ninguém da Globo cobrindo o dia do judô. Hedyl reconheceu, mas disse que todos os repórteres já estavam fazendo suas matérias, e que o próprio Emanuel precisaria ir acompanhar. O produtor foi, descrevendo a evolução de Rogério no torneio por telefone. Justamente na hora da disputa do ouro, em que Rogério enfrentaria o húngaro József Csák, um dos repórteres da Globo ficou disponível para ir ao Palau Blaugrana e fazer a matéria para o Jornal Nacional. Quem? Isso mesmo: Fátima Bernardes. A repórter estava badalada, após o trabalho na prata de Gustavo Borges, como rememorou ao Memória Globo: “Começou uma história de que eu dava sorte”. Pois ela deu. Por meio de um flash na programação, a Globo abriu espaço para transmitir ao vivo aquela final no judô, por volta das 17h de Brasília, e Cléber Machado narrou a primeira medalha de ouro do Brasil em Barcelona. E Fátima fez outra matéria sobre triunfos verde-amarelos no JN posterior: “Aí, outra matéria: ouro. E era ainda melhor, porque tinha o hino brasileiro, né?”.

De resto, a cobertura seguia. Nas competições de atletismo, Cléber Machado predominava nas narrações diretamente do Estádio Olímpico Lluis Companys – por exemplo, em 8 de agosto de 1992, dentro do Esporte Espetacular daquele sábado, Cléber narrou os ouros da argelina Hassiba Boulmerka nos 10000m femininos e do espanhol Fermín Cacho nos 1500m masculinos. Para Luiz Alfredo, o destaque viria de outro lugar. Mais precisamente, das quadras. Como principal voz da Globo naqueles Jogos – sem esquecer a Fórmula 1: também narrou o Grande Prêmio da Alemanha, dos estúdios de Barcelona -, Luiz era o locutor principal nas partidas dos dois torneios de vôlei nos Jogos, tendo equipe fixa a seu lado: Bebeto de Freitas comentando, Luiz Fernando Lima reportando (e comentando um pouco). No torneio feminino, o caminho foi honroso: com todas as partidas da equipe brasileira obviamente exibidas ao vivo, o trio Luiz Alfredo-Bebeto-Luiz Fernando esteve no 3 sets a 2 na China que deu a vaga nas quartas de final à equipe de Wadson Lima, no 3 sets a 1 no Japão nas quartas de final (aqui, a reportagem de Luiz Fernando Lima no Jornal Nacional sobre a vitória em 4 de agosto), na derrota por 3 a 0 para os Estados Unidos na decisão da medalha de bronze. A campanha da geração de Ana Paula-Ida-Hilma-Ana Moser-Márcia Fu já agradara.

Mas seria pouco, para o vôlei brasileiro e para a cobertura olímpica da Globo, diante da apoteose do vôlei masculino. Afinal de contas, Luiz Alfredo e Luiz Fernando Lima já tinham história na Globo com torneios olímpicos de vôlei para homens: eles haviam sido as vozes da emissora carioca para a prata em Los Angeles-1984. O comentarista Bebeto de Freitas, então, tinha vinculação quase umbilical com a geração que jogava (Tande, Giovane, Carlão, Maurício, Paulão, Marcelo Negrão etc.): como técnico, dera a primeira chance na Seleção a quase todos eles. Seu auxiliar fora justamente o treinador da vez, José Roberto Guimarães.

E Bebeto mantinha tal ligação, como constatou uma testemunha. Indo assistir às partidas e ficando na cabine da Globo, Juca Kfouri sempre relata: via costumeiramente Zé Roberto, do banco de reservas, olhar para a cabine e trocar sinais com o comentarista global, no decorrer dos jogos, como se discutissem a melhor estratégia. Kfouri perguntou certa vez a Bebeto se era aquilo mesmo. Claro, o carioca desconversou, disse que era coisa da cabeça do jornalista paulistano.

Verdade ou não, a seleção brasileira de vôlei masculino evoluía notavelmente em Barcelona. Começava a emocionar o trio que transmitia as partidas pela TV Globo – o que já se notou na partida mais fundamental da vitoriosa campanha, os 3 a 1 sobre os Estados Unidos nas semifinais (aqui, a transmissão da Globo para o set decisivo da vitória brasileira). Luiz Fernando Lima fez entrevista exclusiva com José Roberto Guimarães, no Esporte Espetacular de 8 de agosto, véspera da decisão do ouro contra a Holanda – e perguntado o que gostaria de dizer aos torcedores, José Roberto falou que o povo brasileiro andava “triste”, e que “a seleção brasileira já dava alegrias, mas faltava a alegria maior”.

Ela veio com os 3 sets a 0 categóricos na final contra os holandeses, trazendo o primeiro ouro olímpico brasileiro em esportes coletivos, gerando cenas emotivas na transmissão da Globo para aquela final. Luiz Alfredo exultou, logo após o ace de Marcelo Negrão que deu o ouro: “O melhor voleibol do mundo!”. Luiz Fernando Lima fez reportagem exaltadora para o Fantástico daquele 9 de agosto de 1992. Fátima Bernardes, também na quadra do Palau Sant Jordi, ficou ainda mais próxima dos jogadores: tendo um cinegrafista espanhol a ajudá-la, a jornalista ajudou todos os medalhistas a falarem com seus familiares, por meio dos links da Globo com as casas, além de entrevistar José Roberto Guimarães.

Mas nenhum outro personagem global comemoraria tanto quanto Bebeto de Freitas. Começou no “acabou!” audível de Bebeto, com o ponto decisivo que se vê no vídeo abaixo. Imediatamente depois dele, a grande cena, só vista no Fantástico daquele alegre domingo. Juca Kfouri viu pessoalmente e não se esquece: Maurício saiu em carreira desabalada, deixando a quadra e subindo pelas arquibancadas do Palau Sant Jordi até chegar à cabine da Globo, abraçar Bebeto e, chorando convulsivamente, agradecer ao técnico que o convocara pela primeira vez, também em lágrimas: “Eu não mereço o que você fez por mim. Eu te amo pra cacete! Obrigado, Bebeto!”. Um pouco recomposto, Bebeto de Freitas ouviu Luiz Alfredo permitir na transmissão: “Solta esse coração, Bebeto!”. E foi emocional e lacônico: “Tem pouco o que falar... chegamos, chegou a nossa hora, chegou a hora do vôlei brasileiro”. Recordando uma das narrações mais marcantes de sua carreira ao UOL, em 2015, Luiz Alfredo celebrou seu comentarista: “Ele havia formado aquele grupo. Quando ganharam o ouro, eles subiram até a cabine em que eu estava para homenagear o Bebeto”.



(Transmissão da TV Globo do ponto final e da entrega das medalhas aos jogadores do Brasil, após os 3 sets a 0 na Holanda, na final do torneio de vôlei masculino, nos Jogos Olímpicos de 1992, com a narração de Luiz Alfredo, os comentários de Bebeto de Freitas e as reportagens de Luiz Fernando Lima e Fátima Bernardes. Postado no YouTube por Bruno Cabral)

E o encerramento alegre do vôlei masculino brasileiro também coloriu o encerramento da cobertura da TV Globo para aqueles Jogos Olímpicos. Os 12 jogadores donos da medalha de ouro foram os convidados especiais ao estúdio da Globo no centro de imprensa em Barcelona, durante o Fantástico de 9 de agosto de 1992, o domingo da cerimônia de encerramento, novamente apresentada por Fernando Vannucci e Fátima Bernardes. O centro de imprensa estava quase vazio: então, por ideia de Hedyl Valle Jr. e Luizinho Nascimento, muitos que estavam no escritório da Globo em Barcelona pegaram estantes dos estúdios desativados das emissoras ao lado. Fizeram uma “arquibancada”, onde os campeões olímpicos puderam se sentar. Incentivados por Pedro Bial, todos eles começaram a encenar a coreografia da torcida brasileira que os empurrara em todos os jogos: o “ai, ai, ai, em cima, embaixo, e puxa, e vai”. Enquanto isso, Fernando Vannucci fechava o último bloco de notícias olímpicas do Fantástico. E começava a festa de celebração daquela divertida cobertura: câmeras desligadas, de Pedro Bial a Luiz Fernando Lima, do contrarregra ao cinegrafista, todos entraram no “em cima, embaixo, e puxa, e vai” no diminuto estúdio da Globo. Com direito a trenzinho, serpentina e papel picado.




(Festejos no estúdio da TV Globo no centro de imprensa em Barcelona, com a participação dos jogadores da Seleção Brasileira de vôlei masculino, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1992, durante o “Fantástico” de 9 de agosto de 1992, com apresentação de Fernando Vannucci e Valéria Monteiro. Postado no YouTube por Bruno Cabral)

Só faltara Galvão Bueno. Mas dali a pouco, ele voltaria à Globo. O que é conversa para Atlanta-1996.

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