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A história do Breaking e a sua jornada aos Jogos Olímpicos - Parte 1

 

Há cerca de um ano, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou os esportes que viriam a fazer parte da próxima edição dos Jogos Olímpicos de Verão, em Paris, na França, em 2024. A grande surpresa foi a introdução de uma modalidade, no mínimo peculiar para os olhos daqueles que acostumam acompanhar o dia a dia do mundo esportivo, o breaking.


Foi pensando nisso que o Surto Olímpico preparou um especial abordando todos os aspectos desta nova modalidade. Desde a sua origem nos Estados Unidos até a explosão mundial que garantiu ao breaking a sua primeira presença dentro do panteão olímpico.


Entretanto, antes de irmos adiante, vale destacar a colaboração do B.Boy Bispo SB, diretor técnico da comissão de breaking da CNDD (Conselho Nacional de Dança Esportiva), e do B.Boy Migaz, um dos primeiros jurados internacionais de breaking, na elaboração desta matéria. Obrigado, Bispo e Migaz!


Origem

breaking está diretamente associado com o surgimento do Hip Hop, uma corrente musical e cultural que, simbolicamente, nasceu em 11 de agosto de 1973, no Bronx, Nova York. Na ocasião, os irmãos Clive e Cindy Campbell, que são de origem jamaicana, deram uma festa na área comum do edifício localizado no número 1520 da Sedgwick Avenue. O intuito era apenas realizar um evento para amigos, e para pessoas que se dispusessem a pagar para participar. Eles só não tinham ideia da importância deste evento no futuro desta cultura.


Clive, também conhecido como DJ Kool Herc, era famoso pela sua extensa coleção de discos, além de ser a atração principal da festa. Assim, ele aproveitou a oportunidade para introduzir uma nova forma de mixagem: o break. Na prática, o que o DJ Kool fazia era o prolongamento da parte instrumental das canções e, ao mesmo tempo, introduzia sonoridades “arranhadas”, travando e recuando a rodagem de seus discos, e criando novos ritmos à musica da época; ritmos que viriam a ser conhecidos como Hip Hop anos depois. 


O DJ também foi fundamental para influenciar outros nomes, que viriam a se destacar dentro da comunidade do Hip Hop, tais como Afrika Bambaataa, criador da Universal ZuluNation (um dos principais grupos para artistas do gênero no mundo), e Grandmaster Flash, um dos maiores DJs desta cultura e responsável pela criação de um dos clássicos do Hip Hop, o The Message.


Reprodução/Montagem - Da esquerda para a direita. DJ Kool Herc; Grandmaster Flash e Afrika Bambaataa

Desta forma, este novo estilo musical, e lifestyle, rapidamente se espalhou pela região do Bronx. Inicialmente, as danças e festas eram vistas como uma manifestação popular da comunidade afro-americana e latina que, em sua maioria, viviam naquela região. 

À época, dizia-se que estes movimentos eram ações contrárias à Guerra do Vietnã e que os movimentos de braços e pernas cruzadas nas danças, simbolizariam os mutilados que voltavam da guerra; e que as rotações com a cabeça faziam referência aos helicópteros. Porém, não há verdade nestas afirmações, ainda que seja certo que os eventos serviram como uma forma de escape para a juventude da época, que vivia rodeada pela criminalização e pelas gangues de rua dominantes em meados da década de 1970.

E no Brasil?

O breaking chegou ao Brasil na década de 1980, juntamente com a cultura Hip Hop. Inicialmente, esse movimento era altamente influenciado pelos materiais que vinham dos Estados Unidos, tais como vídeos, clipes de música, revistas e quaisquer outros tipos de notícia ou conteúdo serviam de base, e influenciavam esta cultura em terras brasileiras.


Tal como nos Estados Unidos, a cultura Hip Hop, e consequentemente o breaking, encontraram similaridades nas periferias das grandes cidades, sendo rapidamente assimilada e absorvida por elas. Foi neste ambiente que o breaking cresceu no Brasil, seguindo os mesmos ideais do país norte-americano.


Foto: Reprodução: www.rapdab.com.br

No início, durante a década de 80, este movimento sofreu de diversos preconceitos por parte da sociedade. A forma de se vestirem, as festas e reuniões dos membros desta cultura eram mal vistos; as abordagens policiais para os praticantes de breaking era algo comum, e por várias ocasiões eles chegaram a ser presosproibidos


Apesar de nunca ter tido uma lei que os breakers violassem, a famosa “Lei da Vadiagem” era usada como argumento para suspensão da prática nas ruas, parques e demais locais das cidades. De fato, a tal "lei", na verdade, trata-se de uma contravenção penal de 1941 que, apesar de ainda estar em vigor, não é aplicável.


Com o tempo, e principalmente com a explosão midiática do breaking, a visão sobre esta dança foi se alterando um pouco. Ainda que não seja consenso, hoje esta arte já é mais aceita. Tanto que as próprias vestimentas que, anteriormente eram vistas como parte de um grupo excluído da convivência social, agora são enxergadas como tendências da moda.


Era uma arte que não era reconhecida, era uma arte que nem era arte. A gente não era cultura, era subcultura, e por aí vai...     - B.boy Bispo

 

Problemas à parte, esta nova cultura sobreviveu nos guetos e periferias das grandes cidades. Seus membros criaram pontos de encontro, festas e campeonatos, mantendo a prática do breaking viva nas cidades. Um dos principais responsáveis por isso, e considerado o “Mestre” do Hip Hop no Brasil, foi o pernambucano Nelson Triunfo


Nelson se mudou para São Paulo no fim da década de 70, com o intuito de viver da dança, de sua arte. Altamente influenciado pela sua cultura natal, como as danças de frevo e o maracatu, Nelson, começou a praticar nas ruas de São Paulo. Especificamente, na Rua 24 de Maio, considerado o marco inicial do Hip Hop no Brasil. Com o tempo, outras pessoas que passavam pela região foram conhecendo esta cultura, e unindo-se ao grupo. Dessa forma, a cultura Hip Hop se espalhou por outras regiões de São Paulo.

 

Devido à grande perseguição aos dançarinos de rua naquela época, novos locais de reuniões precisaram ser encontrados por seus membros. Foi assim, que o pátio da estação São Bento do metrô se tornou um dos maiores points do breaking, e desta cultura, em São Paulo, e no Brasil. A partir desses encontros, juntamente com as primeiras aparições midiáticas, como a participação na abertura da novela Partido Alto, da Globo, em 1984, a cultura Hip Hop iniciou o seu processo de consolidação regionalmente, e nacionalmente.


Pilares do Hip Hop

O breaking é apenas um dos quatro pilares do Hip Hop, que também é formado pelo Grafitti, Djing e  Mcing. O Grafitti, diferentemente dos outros três, não nasceu juntamente com a cultura Hip Hop, mas encontrou uma excelente conectividade e moradia com os seus ideais.


O Djing refere-se aos DJs e à música, sendo a raiz e parte essencial da cultura Hip Hop. O Mcing refere-se aos mestres de cerimônia dos eventos e festivais deste gênero. Eles são peça fundamental dentro desta cultura. Nela, também se deu o início dos rappers, as principais vozes da comunidade. Por fim, o Breaking, sendo a representação do corpo através da dança.


Reprodução/Montagem

O Breaking


Break Dance, breakdancing, breaking dance... uma das maiores dúvidas de quem começa a acompanhar esta dança é a forma na qual devemos nos referir a ela. A forma correta é: breaking. E apenas isso.


O motivo é muito simples: no final da década de 1970, e começo dos anos 80, outros estilos de dança, como o locking e o popping, também começaram a surgir em diferentes pontos dos Estados Unidos. Todos esses estilos, incluindo o breaking, fazem parte de um “guarda-chuva” de danças, conhecido como street dances ou danças urbanas. Por esta razão, e em forma de respeito aos outros estilos, a comunidade breaking nunca aceitou a inclusão do termo “dance” em seu nome. Esta terminologia dá a entender que todos os diferentes estilos de dança são pertencentes ao breaking e ao Hip Hop. E, na verdade, é justamente o oposto.


De fato, até mesmo nos dias atuais, podemos encontrar membros da comunidade breaking e Hip Hop, referindo-se à esta dança como break dance. Isto acontece pois muitos deles tiveram o seu primeiro contato com esta cultura por meio das grandes mídias que, desde o início, tratavam este movimento por esta denominação errônea. Normalmente, quando os dançarinos são integrados ao mundo do Breaking/Hip Hop, eles são instruídos à forma correta.

 

E é o nome [Break Dance] que fica ofensivo, porque não é o nosso nome. Eu sempre digo que é querer te chamar de José, se você se chama João.    – B.boy Bispo
Reprodução: www.frague.at



Outra grande questão em relação à rápida ascensão do breaking aos Jogos Olímpicos diz respeito à aceitação desta inclusão no programa olímpico, por parte da sua cultura e de sua comunidade. Uma vez que muitos dos dançarinos de breaking não conseguem ver a sua arte, como parte de um movimento esportivo e competitivo. 


Quando o skate e o surfe entraram para os Jogos de Tóquio, por exemplo, houve uma certa preocupação (principalmente por parte dos skatistas) de que a inclusão das modalidades, dentro de um ambiente voltado para massas, traria prejuízos para a identidade e o lifestyle daqueles esportes.


Apesar de existir a mesma preocupação entre alguns membros da comunidade breaking, especialmente em relação às questões jurídicas. Desta vez, a aceitação parece ser mais consensual. De maneira geral, os B.Boys e B.Girls entendem que a participação nos Jogos Olímpicos de Paris será positivo para a dança, e para a cultura. A alta visibilidade que este evento proporcionará para esta nova modalidade, não irá impactar em sua identidade pois, o Breaking, sempre foi de massa!

 

Reprodução: thedirect.com


Talvez não tenhamos percebido, mas diversos símbolos desta cultura, e do próprio Breaking, já estão presentes no nosso dia a dia, além de diversos produtos voltados às massas. Se olharmos para todos os pilares do Hip Hop, iremos encontrar várias provas disso. No Brasil um dos maiores artistas da atualidade, o Kobra, vêm do Grafitti. No Mcing, há anos incontáveis Rappers já fazem sucesso mundialmente; Eminem e Emicida são bons exemplos disso. Inúmeros são os DJs membros ou oriundos da cultura Hip Hop, e responsáveis por diversas músicas de sucesso.


Quanto ao Breaking, ele está presente no entretenimento em forma de animações e, principalmente, filmes. Um bom exemplo é a franquia de filmes “Se Ela Dança, Eu Danço” aonde podemos ver elementos e movimentos do Breaking, ou na pequena participação no recente filme da Mulher Maravilha 1984. Uma clara referência ao filme Breakin, do mesmo ano.


Non-Stop/ Reprodução: www.funarte.gov.br. Foto: Renato Mangolin

Atualmente, o breaking não se resume mais apenas a pequenos grupos, muitas vezes marginalizados, que fazem as suas próprias festas e reuniões. Aqueles que utilizam desta arte como o seu meio de sobrevivência, estão espalhados por diversas áreas da nossa sociedade. Podemos nos deparar com B.boys e B.girls em ruas e estações de metrô, como o grupo Hip Hop no Vagão; passando por centro culturais com professores de dança oriundos do breaking, ou até mesmo em espetáculos circenses e renomados palcos teatrais, como fazem o pessoal da Cia Discípulos do Ritmo.


Curtiu saber mais sobre o Breaking? Então confira aqui no Surto Olímpico a segunda parte deste especial, que será voltado às competições da modalidade, e contará mais sobre os principais eventos, dançarinos renomados e como será o caminho do esporte até os Jogos Olímpicos de Paris.


Foto de capa: Reprodução/thegamecollective.com.br

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