Estava tudo planejado e encaminhado para os Jogos Olímpicos em Tóquio. Cerimônia de abertura prevista para 24 de julho de 2020, no Estádio Olímpico. O próprio estádio – e a Vila Olímpica – já com construções adiantadas. Em relação às transmissões, acordos encaminhados. Tudo certo, por exemplo, entre o Comitê Olímpico Internacional e a NBC (National Broadcasting Company), histórica parceira de mídia do COI: Tóquio-2020 era o último evento valendo no acordo assinado antes dos Jogos de Inverno de 2014, pelo qual o conglomerado norte-americano pagou US$ 4,38 bilhões pelos direitos dos dois ciclos olímpicos até 2032, no inverno e no verão.
Na Europa, estas Olimpíadas foram o segundo evento de uma novidade do COI: desde os Jogos de Inverno de 2018, vige o acordo com a Eurosport, braço europeu da Discovery relacionado aos canais a cabo esportivos. Até Paris-2024, com exceção da Rússia, todas as nações europeias têm as disputas olímpicas mostradas pelos canais da Eurosport – e por emissoras abertas, uma por país europeu, já que o acordo Eurosport-COI obrigava o sublicenciamento dos direitos a pelo menos um canal livre na televisão dessas nações.
Falando em canal livre, no caso da Inglaterra, por exemplo, Tóquio-2020 eram os últimos Jogos Olímpicos de cujos direitos de transmissão a BBC era detentora preferencial: sim, o grupo público britânico de mídia exibirá Pequim-2022 (os próximos Jogos de Inverno) e Paris-2024, mas sob sublicenciamento da Eurosport. Coisa semelhante aconteceria na França: a France Télevision, que detém as emissoras públicas naquele país (France 1, France 2 etc.), também exibiu as competições no Japão, na televisão aberta. Mas dos próximos Jogos de Inverno em diante, a Eurosport seria a detentora preferencial.
Aqui no Brasil, a situação também estava inalterada. Seguia valendo o acordo assinado pelo Grupo Globo com o COI, em 2015: até 2032, os direitos de transmissão olímpicos estão nas mãos do conglomerado sediado no Rio de Janeiro, tanto para as Olimpíadas de Inverno quanto para as de Verão, com exclusividade em televisão a cabo e internet, com liberação para tevê aberta. Ou seja, qualquer emissora brasileira de sinal aberto que desejar transmitir os Jogos Olímpicos no Brasil pode negociar diretamente a compra dos direitos com o COI.
Mas tinha (e tem) uma pandemia no meio do caminho, no meio do caminho tinha (e tem) uma pandemia. A COVID-19 não permitiu que quase nada disso acontecesse como se pensava. A abertura dos Jogos Olímpicos não foi mais em 24 de julho de 2020, mas sim em 23 de julho de 2021. A frequência de casos de infecção pelo novo coronavírus no Japão, país-sede, tornou os Jogos Olímpicos um evento indesejado pela maioria da população japonesa – de certa forma, só feito porque o COI temia queimar o tanto de dinheiro que já fora investido. Muito dele, aliás, investido pela televisão – que não queria perder o montante.
E as emissoras tiveram até uma redução de gastos nos prejuízos. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, o USOC (United States Olympic Committee, o Comitê Olímpico de lá) acionou uma “cláusula de abatimento” nos contratos entre NBC e COI, pelo adiamento dos Jogos Olímpicos. Já na França, a situação foi diferente: para reduzir gastos, o Canal Plus, detentor anterior dos direitos exclusivos de transmissão na tevê fechada francesa, abriu mão deles, por corte de gastos. Coube à Eurosport, já detentora preferencial por lá a partir de Pequim-2022, antecipar o acordo para Tóquio, às pressas.
Danos mitigados (mas nunca eliminados), os Jogos Olímpicos começaram em 2021. Por um lado, com ambições: parceira de mídia do COI em Tóquio, a NHK – emissora pública japonesa – fez acordo com a Panasonic e a Sony para ser pioneira na história das transmissões olímpicas de televisão. Pela primeira vez, as câmeras foram capazes de captar imagens em 8K. E elas não foram vistas só no Japão, não: em caráter experimental, a RAI italiana já exibiu alguns momentos das disputas.
Por outro lado, a NHK às vezes encontrou dificuldades. Um bom exemplo foi na geração de imagens dos torneios de futebol, criticada aqui e ali no Brasil pela lentidão, pelo excesso de replays das jogadas, pela falta de repetição dos lances que pediam o uso do VAR. Mas a mostra mais clara dos percalços do conglomerado televisivo japonês foi o horário das provas de natação, no Centro Aquático Olímpico. Tradicionalmente, as provas classificatórias nas piscinas sejam feitas pela manhã/tarde, e as finais, à noite: afinal, a natação é um dos esportes mais vistos no programa dos Jogos – e à noite, obviamente, mais gente está em casa para ver. Era exatamente o que a tevê pública do Japão queria.
Só que a noite no Japão é a manhã do outro lado do mundo, e isso inclui os Estados Unidos, da NBC, a mais poderosa emissora vinculada ao Comitê Olímpico Internacional. E a NBC bateu o pé: queria que as disputas nas piscinas seguissem o fuso norte-americano – isto é, eliminatórias da natação na noite japonesa e finais pela manhã do país-sede, para poder mostrar tudo ao vivo e conseguir a audiência desejada. Se manda quem pode (e gasta, no caso da NBC) e obedece quem tem juízo, antiguidade também é posto: a natação em Tóquio foi com dia claro em Tóquio durante as finais, como a emissora norte-americana queria e o COI permitiu.
No Brasil, nada de mudanças: mesmo com o corte de gastos que a fez abrir mão de pilares esportivos de seu portfólio (como o campeonato mundial de Fórmula 1, no automobilismo, e a Copa Libertadores da América, no futebol), mesmo com o forte solavanco de um atraso no pagamento dos direitos de transmissão das Copas do Mundo de futebol em 2022 e 2026 à FIFA – já resolvido: o processo foi arquivado -, o Grupo Globo seguiu firme no acordo com o COI. Paralelamente, o sublicenciamento dos direitos de televisão fechada ao Grupo Bandeirantes (leia-se Bandsports) também seguiu imperturbável.
E para você conferir como foram essas coberturas, é só clicar nos links abaixo.
Tevê aberta
Tevê fechada
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