Foto: Xinhua
Se superar continuamente a cada ciclo olímpico é uma missão das mais complicadas para qualquer um dos entes envolvidos nos Jogos. Se os atletas precisam lidar com as lesões, as notas e até os ventos, a mídia se vê diante dos fusos, dos dólares e de tantos outros fatos imponderáveis. Todos esses contextos ajudam a dimensionar melhor tanto os maus quanto os bons resultados. E a relação entre as partes muitas vezes é direta, afinal. Por isso é absolutamente impressionante que uma edição olímpica com um retrocesso da delegação brasileira no quadro de medalhas por todos os critérios tenha representado um incremento tão significativo de audiência e engajamento.
Na televisão, a Globo foi praticamente irretocável. Se teve menos interlocução junto ao COI para ajustar as modalidades fortes do Brasil em horários mais favoráveis e menos coincidentes, soube fazer as escolhas corretas quando se deparou com conflitos. A promessa de um acompanhamento prioritário dos brasileiros também foi cumprida com louvor, acabando com um viralatismo de muitas vezes perseguir os astros internacionais que competem diretamente pelo espaço midiático além do futebol com os nossos atletas.
Claro, teria sido interessante acompanhar algumas finais dos esportes coletivos em sinal aberto mesmo sem o Brasil nelas. Mas nenhuma dessas fez tanta falta quanto a do BMX freestyle, talvez a única transmissão que tenha ficado sendo realmente devida ao longo dessas semanas. Mesmo com a presença do brasileiro Gustavo Bala Loka (que terminaria em 6º lugar) na decisão, o Encontro com Patrícia Poeta foi mantido no ar na ocasião. Uma prova de que mesmo o planejamento mais impecável precisa também de flexibilidade para novas derrubadas. Felizmente, o caso foi uma exceção, como se viu depois com a garantia da transmissão - com ótimos resultados - de quatro baterias do surfe no horário nobre.
A transmissão do surfe, segurada no mar e no ar mesmo com ondas pouco favoráveis, marcou também a consagração de Everaldo Marques como uma das grandes vozes olímpicas. Mas o saldo do sexteto escalado pela Globo foi absolutamente favorável. No futebol feminino, por exemplo, fez diferença a escalação da mesma equipe liderada por Natália Lara em todos os jogos. A modalidade, aliás, terminou as competições olímpicas como a vista por mais brasileiros no Grupo Globo, passando dos 71.000.000 de telespectadores alcançados. A ginástica artística e o vôlei das mulheres, na praia e na quadra, completam a ordem das primeiras posições da lista.
Todas essas modalidades conquistaram medalhas, mostrando a importância de uma cobertura pragmática, que priorize onde o Brasil realmente possui mais chances de ganhar. No mundo ideal, é um trabalho que deveria continuar nesse padrão ao longo do ciclo. Se a Olimpíada é compreensivelmente maior do que qualquer Mundial, também é justificável que a Globo possa até fazer uma cobertura diferenciada e limitada em flashes ao vivo sem derrubar a programação, mas não que ignore e elitize apenas em seus canais fechados as grandes provas dos campeonatos até Los Angeles caso elas não ocorram entre 10h e 12h30 numa manhã de domingo.
Nesse sentido, a importância da Cazé TV vai muito além dos sensacionais mutirões realizados para aumentar a audiência virtual dos atletas, uma de suas ações de maior alcance. Ao longo do ciclo pré-Paris, até antes do anúncio da cobertura dos Jogos, foi por lá que se tornou possível acompanhar gratuitamente os grandes torneios das federações de ginástica e judô, por exemplo. As duas modalidades, como lembraremos sempre, foram nossos carros-chefe na França.
Sem a exclusividade do Pan, o canal virtual dessa vez teve mais liberdade em adotar uma linguagem alternativa (até demais no Zona Olímpica, que trouxe polêmicas desnecessárias sem agregar um retorno de repercussão positivo equivalente), embora o tom das transmissões tenha dependido completamente das escalações, que variaram de perfis de Andrea João na ginástica até Pedro Scooby no surfe. No saldo, um inegável sucesso, com a audiência sendo mantida de forma significativa até mesmo nos programas exibidos na sequência dos eventos ao vivo. Foi lá que ocorreu uma das cenas mais marcantes da cobertura além das arenas, aliás: o encontro entre Rebeca Andrade e Robert Scheidt após ela o ultrapassar na lista de maiores medalhistas olímpicos do Brasil. Simplesmente se fazer presente na sede para um momento assim é mais relevante do que qualquer suntuosidade de um estúdio panorâmico.
Fica a lição para a própria Globo, que não teve nenhum de seus telejornais apresentados da cidade olímpica, o que coincidentemente (ou não) também fez com que os Jogos perdessem prioridade nas escaladas e aberturas do Jornal Nacional. Enquanto isso, até quem não detinha direitos, como a CNN, fincou presença com as boas entradas diárias de Márcio Gomes e Jairo Nascimento em seu horário nobre.
Outro ponto estranho do telejornal global ficou em torno do critério pouco claro para que determinados medalhistas fossem ou não entrevistados ao vivo. Alguns nomes que já haviam encerrado suas participações tiveram suas conquistas resumidas em reportagens, enquanto outros surgiram ao lado de Karine Alves. Com exceção das medalhas conquistadas após a tragédia aérea em Vinhedo, que justificadamente tiveram uma cobertura mais modesta diante da dimensão nacional do luto, fez falta ouvir alguns dos grandes personagens além dos mesmos trechos recortados para todas as atrações.
O tom da cobertura, contudo, foi elogiável. A euforia natural e desejável de apoio aos atletas não abafou a repercussão dos problemas estruturais parisienses, como a dramática espera pela redução do nível de poluição do rio Sena. Ao longo da cerimônia de encerramento, o narrador Luis Roberto também foi honesto ao relembrar que a campanha brasileira foi objetivamente inferior do que havia acontecido três anos antes. A própria monotonia do bloco francês do espetáculo também recebeu justas cutucadas. Uma liberdade maior do que havia sido vista com os comentários cautelosos após o fracasso do futebol masculino na Copa América.
Entre tantos detalhes mencionados nesta e nas outras colunas Coelho Olímpico trazidas aqui no Surto ao longo dos Jogos, agora é hora de voltar os olhares para Los Angeles. Nesse sentido, as perspectivas televisivas são animadoras. Teremos ainda mais competições em horário nobre com o excelente precedente de que as novelas não são intocáveis. E teremos também o ecossistema digital fortalecido como alternativa depois da consolidação da Cazé TV. É possível ter coberturas complementares igualmente fortes em seus meios, democratizando o acesso ao esporte olímpico não apenas em termos financeiros, mas também geracionais. O grande desafio para todos agora é o meio do caminho, aproximando o público de forma honesta de outros eventos realmente significativos. Não se trata de uma equação em que forçar qualquer etapa ou torneio menor com peso similar aos Mundiais seja o recomendável… Mas modalidades queridinhas, como o skate, o surfe e a ginástica possuem seus momentos centrais além dos olímpicos demarcados com uma hierarquia bem clara. Com as boas perspectivas de desempenho esportivo nelas continuando, resta torcer para que os holofotes possam estar voltados para elas em outros momentos antes de 2028.
Esse sonho, talvez utopia, é algo que só pode se realizar com um sucesso coletivo. Vimos e entendemos isso bem em Paris. Mesmo em disputas que tenham ocorrido simultaneamente, como a final do futebol e a briga pelo bronze no vôlei, não houve uma canibalização entre as modalidades. O fato de ambas terem conquistado medalhas permitiu que as duas ganhassem mais repercussão do que teriam tido chegado ao pódio solitariamente. O mesmo se aplica na cobertura. Globo e Cazé TV bateram recordes e saem satisfeitas não por acaso, mas justamente por essa ser a combinação natural. Com o interesse maior pelo mundo olímpico, todas as suas pontas avançam num público em potencial multitudinário como o brasileiro. O público, felizmente, também teve motivos para ficar mais feliz dessa vez.
0 Comentários