Foto: Alessandra Cabral/CPB |
Lucas Felix (lucasfelixbr.bsky.social)
Os Jogos Paralímpicos são extremamente subdimensionados, se é que não deliberadamente negligenciados, pelos principais veículos de mídia do país. O apontamento das responsabilidades por esse cenário pode ser complexo, mas a observação da situação posta é facilmente perceptível mesmo para o consumidor mais desatento dos nossos grandes meios.
No intervalo que separa duas edições olímpicas (ou paralímpicas), a comparação do desempenho em relação aos Jogos disputados quatro anos antes é inevitável por sua pertinência. Essa régua imediata pode ser limitada em alguns pontos, mas permite um diagnóstico sobre as perspectivas para o ciclo posterior. Se tratando da cobertura midiática dos Jogos Paralímpicos no Brasil, o quadro enxergado é desapontador diante do seu descolamento em relação aos resultados do time brasileiro.
Em uma nação que costuma apelar para o simplismo de culpar um suposto resultadismo pelo escanteamento das modalidades além do futebol, é injustificável que se desperdice tantas vezes a oportunidade de celebrar os topos do pódio, com o Hino Nacional e aquela vinheta que ecoa o nome do país em uma profusão limitados de forma exclusiva em um canal por assinatura secundário…
Seja por limitações impostas pela atual detentora ou por desinteresse do resto do mercado, a Paralimpíada dessa vez não chegou nem mesmo nas redes públicas. A TV Brasil, que brada uma retomada do seu projeto esportivo no atual governo com transmissões da segunda divisão masculina e da primeira divisão feminina do Campeonato Brasileiro de futebol, ficou de fora após ajudar a reduzir a elitização da competição em 2016 e 2021.
A exclusividade absoluta do Grupo Globo, contudo, não foi suficiente para que a Paralimpíada fosse priorizada pela casa em uma proporção similar aos Jogos Olímpicos. Evidentemente não se busca forçar equivalência absoluta com a completa derrubada contínua da grade de programação, algo sem precedentes no mundo. Mas se essa utopia causa estranheza ao ser imaginada, é igualmente inusual ver a competição paralímpica confinada novamente nas mesmas duas faixas da programação de Tóquio (semifinal e final do futebol de cegos) quando o Brasil está superando seu desempenho por qualquer critério estabelecido agora em Paris.
É uma situação ainda mais esquisita quando observamos prova a prova. Potência na natação e no atletismo, o país entrega várias medalhas em disputas de velocidade, que poderiam ser transmitidas ao vivo sem o cancelamento de nenhuma outra atração. Algumas das conquistas, aliás, ocorreram até mesmo durante programas ao vivo, como o Hora 1 e (pasmem!) o Globo Esporte. O máximo que o GE faz, contudo, é apresentar uma breve nota em seu encerramento quando isso acontece. Na cerimônia de abertura, a entrada da delegação brasileira também foi solenemente ignorada em tempo real pelo canal aberto enquanto se transmitia um duelo do Brasileirão feminino. O compacto dela foi empurrado para madrugada, apenas depois do Jornal da Globo. No Rio, ficou antes do próprio telejornal. Em Tóquio, antecedeu a primeira edição do Praça TV.
O poder de síntese beirando a omissão está guiando a cobertura global além da falta de transmissões. Nas chamadas que celebram os medalhistas nos intervalos, muitas vezes é relatada apenas a quantidade de conquistas do dia, sem menção aos nomes. Nos telejornais, até se lembra da identificação de quem subiu ao pódio, mas o privilégio de uma sonora, quando a voz do atleta é efetivamente ouvida, fica habitualmente restrito apenas aos vencedores do ouro paralímpico.
Foto: Alessandra Cabral/CPB |
Aqui não se discute a qualidade do preparo da reduzida equipe mobilizada em Paris, que está fazendo boas entrevistas e reportagens dentro das possibilidades. Há, afinal, falas ao vivo de praticamente todos aos microfones do grupo logo após as provas. O problema é que os editores no Brasil parecem ter limitado o teto do noticiário paralímpico de modo que a cobertura fica com minutagem praticamente idêntica em dias mais ou menos recheados de conquistas.
É o caso do Volta Paralímpica, apresentado de segunda a sexta no valioso espaço entre Alma Gêmea e No Rancho Fundo. O horário nobre podia dar uma perspectiva animadora sobre ele, mas o programa fica extremamente limitado em um tom raso, sem conseguir se aprofundar em nenhuma história. Não se trata do desejo de ver análises técnicas sobre os tempos ou estratégias… Mas simplesmente de conseguir mergulhar um pouco nos perfis dos vencedores.
Justiça seja feita, isso anda sendo difícil mesmo no canal fechado do Grupo Globo. Enquanto o terceiro canal exibe duelos entre atletas estrangeiros no aberto de tênis dos Estados Unidos e o sinal principal não abre espaço nem mesmo para Seleção Brasileira no futebol de cegos, por mais que transmita jogos de futebol na areia ou na quadra com regularidade, o SporTV 2 se vê obrigado a dividir a tela apressadamente entre as múltiplas competições e pódios com atletas brasileiros. As escolhas feitas são geralmente acertadas se considerando a limitação em apenas um sinal. O problema é que esse marco não é uma questão técnica real, mas simplesmente uma opção da empresa.
Com tanta dificuldade para se acompanhar ao vivo o momento máximo do esporte brasileiro, quando a conquista é efetivamente celebrada no auge da sua glória, até os pontos positivos acabam minimizados. A equipe de narradores e comentaristas dá conta do recado com brilhantismo, evitando armadilhas capacitistas. O Conexão Paris, exibido ao término dos eventos, é igualmente bem comandado por Joanna de Assis e Fernando Fernandes. A atração talvez seja o ponto que mais lembra a cobertura olímpica feita por seu “primo” Ça Va Paris, ao revezar os comentaristas na bancada e trazer também as projeções de Guilherme Costa. Uma boa ilusão de fim de dia paralímpico antes que as competições recomecem e a desigualdade exagerada de tratamento volte a ser evidente.
Ruim assim, pior sem a Globo? Provável que sim. Vale lembrar, por exemplo, que a Record não adquiriu mesmo a Paralimpíada de Londres, no ciclo em que teve a Olimpíada com exclusividade. E a cobertura jornalística dos demais canais agora em Paris também é limitadíssima. Se a maior emissora do país decepciona ao tratar os Jogos Paralímpicos como se fossem simplesmente a realização simultânea de Mundiais da categoria, o evento fica praticamente invisível para as concorrentes.
É justamente por essa constatação que pouco se pode esperar que a situação seja tão diferente em Los Angeles. Mas fica a torcida para que ao menos o Comitê Paralímpico Internacional perceba que pode ampliar a sua presença em outros espaços, como até mesmo na internet. Se a televisão pode alegar seus outros compromissos, é inexplicável que virtualmente se possa acompanhar a Paralimpíada em português apenas através do Globoplay +canais, um pacote de streaming que custa R$54,90 por mês. Um país que tende a fechar entre os cinco melhores do planeta no quadro de medalhas precisa fazer jus aos seus campeões também no reconhecimento.
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