Foto: Sergio Klavin
Uma pista de madeira de 4 metros e 20 centímetros de altura e 16 metros de largura em forma de U é capaz de intimidar praticamente qualquer pessoa. Imagine para alguém com apenas 20% da visão em somente um dos olhos - e 0% no outro. Para Fernando Araújo, mais conhecido como Nando, esse foi o tamanho do desafio superado no halfpipe montado na área externa da Arena das Dunas, em Natal. Uma experiência inédita para ele. E para qualquer outro deficiente visual no país. Aos 29 anos, o carioca foi o primeiro cego a dropar o espaço de disputa do Vert Battle, o circuito nacional de skate vertical, feito que considerou como a experiência mais especial da vida. A volta certeira veio depois de muitas tentativas e quedas, recompensando a coragem que o marcou a cada degrau das escadas novamente escalado rumo ao desafio.
“Treinei durante dois meses, abdiquei de muita coisa para estar ali treinando, até em finais de semana. Estava com esse objetivo na mente de ser o primeiro deficiente visual a dropar o half”, rememora. Na primeira queda em Natal, ele chegou a sentir dores no ombro. Nada que tenha impedido a insistência. “Eu voltei com aquele medo constante e até pensei em desistir”, disse. Ao lembrar de vezes em que presenciou outros atletas competindo até mesmo com o braço quebrado, como Bob Burnquist, a ideia mudou. “Pensei simplesmente em descer e dar tudo de mim”, resume.
Dentro do Festival Tamo Junto BB, promovido pelo Banco do Brasil, Nando falou sobre a mistura entre as modalidades. Ele é uma prova do sucesso desse intercâmbio. Afinal, desde a infância, passou por esportes como judô, natação e futebol. Mas sempre com o skate também presente, tendo sido apresentado primeiramente através do universo dos games com o jogo do atleta Tony Hawk. “Eu gostava de assistir aos campeonatos de skate… Sempre quis andar. A galera falava que é perigoso e eu podia me machucar por ser cego. Mas há oito anos eu decidi me dedicar nessa vida de skate”, narra.
Exatamente há oito anos, o carioca teve ainda a chance de vivenciar os Jogos Olímpicos e Paralímpicos em casa. “Eu fui no judô, assisti ao meu amigo Willians Araújo competir”, relembra. Na ocasião, o paraibano levou a medalha de prata na Arena Carioca 3. Nesse ano, o também deficiente visual foi campeão paralímpico pela primeira vez em Paris.
No início, Nando nem se imaginava como atleta profissional. A utopia não apenas se transformou em realidade, mas também em fonte de inspiração para outras pessoas. “Eu sou o primeiro deficiente visual do Brasil reconhecido pela CBSK. Antes era uma brincadeira, que se tornou uma profissão hoje. E agora eu faço um trabalho de palestras pelo Brasil inteiro incentivando outros cegos a andar de skate”, explica.
Independente da forma de aplicação, a certeza que sempre acompanhou Nando é que ele estaria ligado ao esporte que hoje é central em sua vida. “Minha vibe sempre foi o skate. Assistia quando passavam os X Games, a Street League, outros campeonatos…”, recorda. Na lista, pelo paraskate nunca ter integrado o programa do evento, falta a Paralimpíada. Embora o ingresso ainda seja incerto pelas questões burocráticas de que Nando se mostra consciente, ele ressalta que ainda quer muito competir nos Jogos. “Seria uma forma de trazer outros deficientes visuais para o skate, mostrar que é um esporte inclusivo que qualquer um pode praticar”, frisa.
Sobre a técnica criada em parceria com o treinador Léo Scott, que também auxilia o evento como um todo nas questões de acessibilidade para o público, ele explica que a bengala guia é essencial para a adaptação em qualquer modalidade, seja no street, no park ou no vertical, reconhecendo as condições como largura e altura da pista.
Acumulando quase 30 mil seguidores em apenas uma de suas redes sociais, em que se apresenta como o Skatista Cego, Nando ainda se tornou recentemente estrela de um documentário produzido para o Canal Off e disponibilizado também no Globoplay. “Skate no Escuro” acompanha a trajetória de treinos constantes do profissional. A produção traz ainda depoimentos de nomes como o lendário Bob Burnquist, vencedor do Prêmio Laureus em 2002, também integrante do Squad BB. Para Nando, “fazer parte do documentário contando como o skate mudou a minha vida foi muito importante. Eu nunca tive um paraskatista para me inspirar. Me inspirei sempre no Bob, no Tony Hawk, no Pedro Barros, no Rony Gomes…”.
Rony, aliás, é o anfitrião da organização do Vert Battle. Ter conseguido a manobra histórica justamente num evento de alguém que sempre acompanhou teve um gostinho especial para Nando, que destacou a “emoção muito grande”.
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