Surto História: Jimmy Carter e o boicote aos Jogos Olímpicos de Moscou

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Afundado no caos de uma Guerra civil em 1979, o Afeganistão se viu invadido pelo União Soviética, que alegou ter dominado o país por mar e por terra para instaurar a ordem do país, que viva em um regime comunista extremamente instável, com muitas trocas de poder em pouco tempo. Mas mal sabiam os soviéticos que esta invasão culminaria com um dos boicotes mais marcantes da história olímpica.

Jimmy Carter, presidente dos Estados Unidos a época e que faleceu no último domingo (29), aos 100 anos, liderou os protestos da comunidade internacional que condenou a ação soviética. Carter anunciou que se a ocupação soviética no Afeganistão não terminasse, os Estados Unidos liderariam um boicote aos Jogos Olímpicos de verão de 1980, que seriam em Moscou. O Kremlin de início, não levou a ameaça a sério.

Quatro anos antes, a Olimpíada já tinha sofrido um boicote da grande maioria dos países africanos por conta da não punição do COI a Nova Zelândia, que tinha enviado uma equipe de rugby para disputar amistosos contra a África do Sul no meio da suspensão do país por conta do regime do apartheid. 

Carter então resolveu dar uma entrevista em janeiro de 1980 oficializando o seu boicote: “Nem eu ou o povo americano apoiaremos o envio de uma equipe americana com tropas soviéticas no Afeganistão. Hoje, enviei uma mensagem ao comitê olímpico dos Estados Unidos explicando minha posição de que, se os soviéticos não retirarem suas tropas dentro de um mês do Afeganistão, que os Jogos sejam transferidos para outro local ou não apoiarei o envio de uma equipe americana para a Olimpíada”, declarou o presidente americano." disse à emissora NBC

Mas como dito acima, a União Soviética não levou fé na ameaça, tanto que enviou normalmente uma delegação para os Jogos Olímpicos de inverno de Lake Placid, entre os dias 13 e 24 de fevereiro de 1980. Mas durante os Jogos, Carter deu o ultimato para os russos, que mais uma vez deram de ombros no considerado 'blefe diplomático'. Mas o presidente dos EUA estava obstinado, porque além de confrontar os soviéticos, ele precisava de um bom chamariz para ter apoio da população para a sua reeleição. 

Carter chegou a pressionar o COI para que a Olimpíada daquele ano fosse transferida para a Grécia, mas a entidade e o país europeu recusaram a proposta por conta do pouco tempo hábil para essa mudança. Carter então começou a juntar países para aderirem ao boicote.

O lendário boxeador Muhammad Ali foi enviado a uma excursão de boa vontade pelo continente africano para persuadir governos a se juntarem ao boicote. A viagem saiu pela culatra, no entanto, quando o próprio Ali foi convencido a não apoiar o boicote durante o curso de suas reuniões, com os chefes de estado africanos indagando onde os Estados Unidos estavam quando eles precisaram de apoio em Montreal-76. Já a lenda Jesse Owens, meses antes de morrer, pediu pessoalmente ao presidente que desistisse do boicote, usando da premissa de que o esporte não deveria ser usado como ferramenta política, mas em vão.

Países como Grã Bretanha, Itália, França, Países Baixos e Austrália apoiaram os Estados Unidos, mas permitiram que os atletas que quisessem fossem aos Jogos Olímpicos de Moscou como neutros. Já outros países como Canadá, Alemanha Ocidental e Israel aderiram completamente ao boicote, que foi oficializado em 21 de março de 1980 com 61 países aderindo de forma total ou parcial. 

O Brasil, apesar de parceiro econômico dos estadunidenses, ficou de fora do boicote, já que a palavra final foi do Comitê Olímpico do Brasil, presidido pelo Major Sylvio de Magalhães Padilha. Ex-atleta olímpico e forte defensor do olimpismo, ele foi desde o início contra o boicote e foi firme em manter a participação do Brasil nos Jogos - chegando até mesmo a recusar as vagas extras que vieram para o Brasil em modalidades que países que aderiram ao boicote desistiram - O conselho do COB se posicionou contra, o Brasil recebeu as vagas e levou sua maior delegação a uma olimpíada até então.

Na cerimônia de abertura, o presidente da União Soviética, Leonid Brezhnev, lamentou a interferência de interesses políticos no esporte em seu discurso. Na cerimônia de encerramento, ao invés da bandeira dos Estados Unidos ser hasteada, o que subiu foi a bandeira da cidade Los Angeles sede dos próximos Jogos.

Por fim, a cartada de Carter para a reeleição não deu certo, ele perdeu para o republicano Ronald Reegan e a União Soviética acabou estendendo ainda mais a guerra civil e retirou suas tropas do Afeganistão apenas em 1989, perto do fim da nação. Os soviéticos ainda 'devolveriam' o boicote quatro depois em Los Angeles, liderando a maioria dos países comunistas - com exceção da China, Romênia e Iugoslávia, com a guerra fria tirando um pouco do brilho dos Jogos Olímpicos na década de 1980.