Modalidade sofre com tratamento da emissora na tv aberta
Por Lucas Felix
A eliminação da Seleção Brasileira feminina de vôlei no Campeonato Mundial da modalidade, realizado na Tailândia, foi no detalhe. Um tie-break decidido pela menor margem possível, consolidando uma sequência respectiva de sets alternados conquistados pelo Brasil e pela Itália desde a primeira parcial. Um duelo épico, que fica marcado para o esporte mesmo com o dissabor de mais uma batida na trave da equipe nacional, que não conquista uma competição relevante desde o finado Grand Prix de 2017. Embora os contornos do confronto possam ter ido além da imaginação, era fácil de pensar em um enfrentamento do mais alto nível considerando o encontro gerado pelo chaveamento de duas equipes que estiveram entre as três melhores nas edições anteriores do próprio Mundial, dos Jogos Olímpicos e da Liga das Nações, além de serem as duas mais bem colocadas no ranking da federação internacional. Certamente um jogo digno da maior plateia possível, ao menos nos países diretamente envolvidos. Foi o que aconteceu na Itália, que em sua tarde de sábado no horário local garantiu a transmissão pela Rai 1, o principal canal aberto generalista do país.
No Brasil, o cenário foi diferente. A partida esteve relegada ao SporTV 2. Numa conta otimista de que todos os pacotes de TV por assinatura do país incluam o canal esportivo secundário do Grupo Globo, o alcance em potencial do duelo nem assim chegaria a um quarto dos torcedores. Na emissora aberta, enquanto a bola subia em Bangkok, o matinal É de Casa – ele entrou no ar uma hora antes do início do confronto, vale frisar. Ou seja, nem precisaria ser integralmente cancelado – transmitia mais uma de suas edições regulares, abordando tratamentos contra o ronco. Mesmo com a atração ao vivo, não houve nem mesmo uma exibição de flash parcial dos sets. Enquanto transcorria, o confronto foi simplesmente ignorado. Algo bem diferente dos boletins exibidos pela Globo nos intervalos comerciais quando a representação brasileira numa semifinal era em uma modalidade praticada de forma bem reduzida no país em relação ao vôlei, com a tenista Bia Haddad em Roland Garros em 2023. Naquela ocasião, aliás, a faixa do próprio É de Casa já havia sido garantida antecipadamente para uma eventual transmissão caso a brasileira tivesse avançado para a decisão.
Dessa vez, a Globo mantinha um solene silêncio sobre o que faria com o vôlei caso o resultado contra a Itália fosse diferente. A emissora transmitiu as finais brasileiras em Mundiais nos anos de 1994 (em casa, na faixa das 16h de um domingo, quando as mulheres nunca haviam nem ganhado uma medalha olímpica ainda), 2006, 2010 e 2022 – todas as disputadas pelo time até hoje. Em 2025, os indicativos são de que as comandadas de Zé Roberto seriam trocadas pela partida de ida do Campeonato Brasileiro feminino adulto de futebol de campo entre Corinthians e Cruzeiro. Por mais que a própria faixa dominical das 16h estivesse aberta pela parada masculina para as seleções e o jogo pudesse ser agendado também para o sábado, no horário que semanas atrás foi do Mundial sub-20 masculino, houve a opção consciente em garantir esse “álibi” em pleno 7 de setembro, uma data ainda mais simbólica para uma equipe que representa o país como um todo pudesse ter prioridade diante de clubes com suas torcidas regionalmente concentradas. Aliás, a decisão do bronze contra o Japão, mesmo às 5h30, não terá TV aberta. Em 2021, a disputa do bronze da Copa do Mundo masculina de futsal entrou na grade em pleno meio-dia.
Todo esse cenário já desfavorável ao vôlei ocorre enquanto a volta da Fórmula 1, que também terá corrida em andamento na manhã deste domingo, não é consumada. Com o retorno do automobilismo, as janelas para o esporte olímpico como um todo devem se tornar ainda mais raras. E se as transmissões são um problema, a cobertura jornalística também. Durante o Mundial de vôlei, o Jornal Nacional abriu mais espaço para a estreia do tenista João Fonseca, o 45º do ranking mundial, no Aberto dos Estados Unidos, do que para o confronto inaugural da Seleção número 2 do mundo contra a Grécia, resumida em uma nota coberta mesmo com a presença do enviado especial Raphael de Angeli como opção para uma reportagem. Na quinta-feira, o avanço para as quartas de final diante da França até ganhou um VT próprio, mas de menos de dois minutos no ar. Metade do tempo dedicado no dia seguinte ao jogo paulistano da NFL, a liga americana de futebol americano. Ou seja, não se trata de uma opção editorial em que o esporte como um todo está escanteado do JN, mas sim de um reordenamento das prioridades dentro do tempo para a pauta.
No domingo passado, quando o confronto das oitavas de final do Brasil no Mundial contra a República Dominicana já havia coincidido com as semifinais do futebol feminino nacional, a transmissão da bola em campo mal destacou a partida simultânea em território tailandês, a resumindo no intervalo com o mesmo espaço de eventos encerrados horas antes. São episódios em dias distintos e em departamentos também diferentes que tornam improvável a possibilidade de que estejamos apenas diante de uma infeliz coincidência em que o vôlei deu azar por acasos múltiplos. É, na verdade, a consolidação de um apequenamento que já vinha ocorrendo quando as rodadas completas jogadas no Brasil da Liga das Nações foram trocadas na TV aberta apenas pelos jogos dominicais – e, como vimos, talvez nem estes resistam. Os jogos eventuais nas madrugadas, aliás, também desapareceram. Agora não há mais que se torcer por um fuso favorável para o encaixe, com a Globo ignorando o vôlei em qualquer faixa.
A série de atitudes de desdém pelo que ainda é o segundo esporte mais popular do país, mesmo com esse pouco caso do grupo de mídia que monopoliza os seus direitos, conflita com uma subserviência histórica da confederação nacional da modalidade com a TV Globo. A Superliga já chegou a testar sets de 21 pontos e prontamente altera formatos, sedes e horários de suas decisões de acordo com as vontades da emissora. Em 2012, o bicampeonato olímpico transmitido ao vivo pela Record foi sucedido por entrevistas exclusivas para a Globo fora do ginásio. É uma submissão que poderia valer a pena se houvesse recíproca. O tamanho do alcance da Globo quando se engaja em um produto é mesmo incomparável, não por acaso suficiente para chamar atenção de ligas estrangeiras que desejam o mercado brasileiro. Esse cenário, contudo, não existe quando falamos dos esportes olímpicos em que atletas brasileiros realmente se mostram fortes atualmente. No surfe, o primeiro título de Yago Dora não ganhou boletim na programação, ao contrário do que ocorreu na conquista inicial de Gabriel Medina, uma época em que a ESPN ainda tinha os direitos da TV por assinatura. Na ginástica rítmica, o Jornal Nacional transmitiu o time dos Estados Unidos ganhando a sua medalha de bronze no Mundial do Rio de Janeiro. E cortou a exibição antes que o Brasil colocasse a prata no peito.
Enquanto isso, Max Verstappen, Patrick Mahomes e companhia devem se tornar nomes cada vez mais rotineiros para o telespectador do canal. E como não há nenhuma previsão de que o Globo Esporte e o Esporte Espetacular tenham suas durações estendidas para comportar as aquisições do cardápio, é de imaginar que o tempo dedicado a eles não será retirado dos Brasileirões de futebol, independente do gênero… Adivinhem quais modalidades irão “sobrar”. Pois é.
No caso dos torneios globais de vôlei, a situação desfavorável aos fãs da modalidade deve seguir por todo o ciclo. A Globo possui exclusividade neles, incluindo os torneios de praia, que um dia já tiveram espaço nas manhãs de domingo, até 2028. A esperança fica com uma melhor visibilidade para o campeonato nacional, o que só deve vir através da entrada de algum elemento novo. E essa novidade não será a GE TV, já que a própria família Marinho corretamente fez questão de realçar em seus releases da Copa do Mundo de Clubes, por exemplo, que o alcance da internet e da televisão seguem em prateleiras distintas no país. É de se esperar que a CBV tenha um pouco de amor próprio e ouse na busca de não perder o potencial do vôlei no país preso eternamente ao SporTV 2. Uma temporada fora da Globo, afinal, não indica que as portas estão fechadas para o retorno, como prova agora a própria Fórmula 1. É a chance justamente de se valorizar e voltar conseguindo barganhar condições mais favoráveis, como ocorreu com a Conmebol Libertadores. A repercussão conquistada nas redes indica que a confederação precisa confiar mais no seu produto, até mesmo para convencer a exibidora a fazer igual.
Menção honrosa
Mas tudo está perdido? Quase! Para fazer um registro positivo, merece elogios a equipe de transmissão formada por Luiz Carlos Júnior, Fabi Alvim e Paula Pequeno. Mesmo sem a presença in loco, algo que ocorria em Mundiais em décadas passadas, o trio mostrou envolvimento com o torcedor numa partida que passou por diferentes cenários. O veterano narrador mostrou uma vontade de iniciante, sem jamais dar aquela sensação de ser “apenas mais um Mundial” na sua longa lista. É prazeroso ver quem compreenda o papel do esporte nacional, sem ficar temendo a “acusação de pachequismo” dos tribunais virtuais, tampouco resolvendo proteger ou florear desempenhos que efetivamente ficaram aquém. Nenhum atleta merece ser perseguido, mas muito menos se pode brigar com a imagem. O equilíbrio foi encontrado. Durante todo o tempo, a sensação de se torcer junto prevaleceu diante de qualquer vontade de prever o resultado. O presente foi vivido.
