O vice-campeonato e as vitórias em amistosos contra a União Soviética pavimentaram a transformação do esporte no país e abriu caminho para conquistas históricas
A seleção brasileira masculina de vôlei inicia no próximo domingo (14), contra a China, sua 19ª participação no Campeonato Mundial, pelo grupo H, onde também estão alocados Chéquia e Sérvia. Presente de forma ininterrupta na competição desde 1956, o Brasil passou a figurar entre as potências da modalidade a partir dos anos 1980, com o surgimento da histórica “Geração de Prata”, que elevou o voleibol nacional a um novo patamar.
Mas foi a partir da medalha conquistada pela seleção juvenil no Mundial de 1977 que começaram a despontar nomes importantes, que posteriormente reforçariam a equipe adulta e alcançariam resultados expressivos mesmo antes da histórica prata olímpica em 1984.
A seguir, conheça a trajetória da seleção masculina no Mundial de 1982, competição que iniciou o processo de popularização do voleibol no Brasil e projetou a equipe no cenário internacional.
Primeiras participações do Brasil em Mundiais
A estreia da seleção brasileira masculina em Mundiais de vôlei aconteceu na terceira edição do campeonato, em 1956, com um 11º lugar. Até 1982, o melhor desempenho havia sido em 1960, ano em que o Brasil sediou o torneio no Rio de Janeiro.
Nas edições seguintes, até 1974, o Brasil não conseguiu figurar entre as dez melhores seleções. Um primeiro sinal de evolução veio em 1978, com o sexto lugar.
A base para a evolução
A transição dos anos 1970 para os 1980 marcou o início da transformação do Brasil em uma potência do voleibol mundial nas décadas seguintes. Esse processo começou nas categorias de base, com a formação de jovens talentos. A primeira medalha intercontinental do Brasil na modalidade veio em 1977, com o bronze no Mundial juvenil disputado no Rio de Janeiro, que revelou nomes importantes como Renan Dal Zotto, José Montanaro e Amauri Ribeiro.

Quatro anos depois, a seleção juvenil melhorou sua performance e conquistou a prata no Mundial de 1981. Nessa edição, surgiu Mário Xandó, eleito o melhor jogador do mundo na categoria e outro futuro integrante da consagrada “Geração de Prata”.
Aproveitando a qualidade dessa nova safra, a seleção adulta evoluiu progressivamente no início dos anos 1980, passando a medir forças com as principais equipes do mundo.
Embora o imaginário popular associe a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, ao primeiro grande feito da geração, a seleção brasileira já havia conquistado grandes resultados anos antes. Em 1981, o lendário Bebeto de Freitas assumiu o comando técnico e convocou jogadores altos e versáteis para implementar um estilo de jogo baseado em velocidade e criatividade. Logo em sua primeira competição à frente da equipe, o Brasil faturou o bronze na Copa do Mundo, abrindo caminho para conquistas ainda maiores nos anos seguintes.
Mundialito de 1982: um marco histórico
Antes de abordar o Campeonato Mundial de 1982, é importante relembrar o Mundialito, torneio amistoso preparatório realizado no Rio de Janeiro entre os dias 17 e 25 de setembro. A competição teve importância histórica, marcando a primeira transmissão ao vivo de uma partida de vôlei na televisão brasileira.
Dez das 24 seleções que disputariam o Mundial participaram do torneio. Elas foram divididas em dois grupos de cinco. O Brasil integrou o grupo A, com Bulgária, Coreia do Sul, França e México. O grupo B contou com Argentina, Canadá, China, Tchecoslováquia e União Soviética. Apenas o líder de cada grupo avançava à final.
Os soviéticos perderam na estreia para a China por 3 a 0, mas se redimiram vencendo os três compromissos posteriores pelo mesmo placar e garantiram vaga na decisão.
Já o Brasil avançou invicto, embora tenha perdido sets para México, Japão e Coreia do Sul. Contra os japoneses, sofreu um revés no primeiro set e chegou a estar perdendo o segundo por 9 a 1, mas conseguiu uma brilhante virada na parcial e no jogo — vale lembrar que, na época, ainda se utilizava o sistema de pontuação por vantagem.
Na final, a equipe comandada por Bebeto de Freitas enfrentou a maior potência do voleibol mundial diante de 20 mil torcedores no Ginásio do Maracanãzinho, que presenciaram um feito que parecia improvável: uma vitória brasileira em um duelo equilibrado e repleto de reviravoltas.
Outro destaque do confronto foi o icônico saque “Jornada nas Estrelas”, protagonizado por Bernard. Com esse artifício, em que ele golpeava a bola por baixo, fazendo-a subir próximo ao teto do ginásio antes de despencar em alta velocidade para dificultar a recepção adversária, o atleta marcou oito pontos no serviço.

O Brasil foi atropelado no primeiro set, perdendo por impiedosos 15 a 2. No entanto, a reação veio rapidamente. A seleção se reergueu e venceu as duas parciais seguintes por 15 a 12 e 15 a 13. O quarto set também foi parelho, mas os soviéticos levaram a melhor por 15 a 13. Desta vez, sem sustos, o Brasil fechou o quinto e decisivo set por 15 a 7 e garantiu o título do Mundialito.
O sucesso do torneio atraiu a atenção do público e imprensa, que passou a acompanhar mais de perto a seleção masculina.
Mundial de 1982: surge a “Geração de Prata”
O 10º Campeonato Mundial, realizado na Argentina, começou em 2 de outubro, uma semana após o encerramento do Mundialito. Alocado no grupo F, o Brasil estreou com vitória tranquila por 3 a 0 sobre a Líbia e repetiu o placar diante do Egito. A única derrota da primeira fase foi para a Tchecoslováquia, e a seleção avançou em segundo lugar.
Na segunda fase, já no grupo X, enfrentou adversários mais fortes: venceu Polônia, Cuba e Bulgária, e perdeu apenas para a União Soviética. O desempenho garantiu uma inédita classificação à semifinal.
O adversário na semifinal foi o tradicional Japão, dono de um currículo expressivo: campeão olímpico em 1972, terceiro colocado nos Mundiais de 1970 e 1974, além de vice-campeão nas Copas do Mundo de 1969 e 1977. Apesar do histórico dos asiáticos, o Brasil não se intimidou e protagonizou uma dominante vitória por 3 sets a 0, assegurando a primeira final de sua história em Campeonatos Mundiais.
Na decisão houve um reencontro com a União Soviética. Aquela equipe soviética de 1982 é considerada até hoje como uma das melhores de todos os tempos do voleibol. Além disso, o país detinha cinco títulos mundiais até então — incluindo o da última edição, em 1978 —, e também era a atual campeão olímpico e bicampeão da Copa do Mundo.
O favoritismo se confirmou e os europeus deram o troco da derrota na final do Mundialito ao vencer o Brasil por 3 a 0, conquistando seu sexto e último título mundial.
Vice-campeonato impulsiona o vôlei brasileiro
Com este resultado, o esporte caiu ainda mais no gosto popular dos brasileiros. Reflexo desse entusiasmo foi a realização, em 1983, do amistoso chamado de “O Grande Desafio de Vôlei” entre Brasil e União Soviética, que reuniu impressionantes 95.887 pessoas no Maracanã, o maior público já registrado da história do voleibol mundial. A épica partida ocorreu mesmo debaixo de muita chuva, e o Brasil venceu por 3 sets a 1.

Portanto, o vice-campeonato mundial marcou o início de uma nova era para a modalidade, tanto na relação com os torcedores quanto no desenvolvimento dos atletas, que ganharam experiência e, dois anos depois, conquistariam a prata olímpica em Los Angeles.
Nove jogadores daquela campanha subiram ao pódio em 1984: Amauri, Bernard, Bernardinho, Domingos Maracanã, Fernandão, Montanaro, Renan, Xandó e William. Essa geração ainda esteve representada na conquista histórica do primeiro ouro olímpico, em Barcelona 1992, com Amauri no elenco campeão.
A partir do Mundial de 1982, o Brasil alcançou ao menos a semifinal em nove das dez edições seguintes, ficando fora apenas em 1994. Nesse período, a seleção conquistou o tricampeonato de forma consecutiva (2002, 2006 e 2010), dois vice-campeonatos (2014 e 2018) e uma medalha de bronze (2022).
